Por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro
Advogada, professora de Direito Internacional da Unipampa
Além de todas as implicações que a pandemia da covid-19 traz para a União Europeia, a infecção pelo coronavírus nos centros migratórios evidencia a situação daqueles que residem em moradias inadequadas “temporariamente”. É importante lembrar que o coronavírus chegou no momento em que a Europa vivencia uma grave crise migratória. Após a notícia de que no centro de requerentes de asilo, o chamado asielzoekerscentrum, na cidade de Sneek, na província de Frísia, no norte dos Países Baixos, 22 pessoas haviam sido infectadas, houve a decisão de fechá-lo momentaneamente.
Após a descoberta de um imigrante infectado, uma família foi colocada em quarentena em uma sala reservada com chuveiro e vaso sanitário. Outras pessoas que apresentavam sintomas foram testadas, um quinto das pessoas do centro estavam infectadas. Nos centros de requerentes de asilo, têm-se adotado a política para que os solicitantes realizem o exame caso tenham tido contado com alguém infectado.
Ainda não há casos de hospitalização dos requerentes de asilo, uma das causas a que se atribui é a de se tratar de uma população relativamente jovem em que o vírus não se desenvolveu em estágio mais grave. Há receio de haver um surto, tendo em vista que nos centros de requerentes de asilo não há como manter a distância recomendável de 1m50cm entre os residentes. Aqueles migrantes recém-chegados aos Países Baixos geralmente dormem em cômodos com várias pessoas, em beliches, e compartilham cozinhas, banheiros e chuveiros.
Alguns políticos relatam de forma bastante sensível a situação dessas pessoas. A parlamentar neerlandesa, Femke Halsema, do partido verde, em neerlandês Groen Links, nomeada prefeita de Amsterdã com mandato de 2018 a 2023, em seu livro Linkse Lente ("sob a ótica da esquerda"), narra de forma minuciosa a realidade desses centros: “A total falta de privacidade, a burocracia que transforma os seres humanos em números, a solidão vivenciada pelos migrantes que não compreendem o idioma, não conhecem ninguém, não confiam em ninguém, são de dar um nó na garganta”.
Mesmo com o estabelecimento de quotas de asilo para cada Estado-membro, a política da União Europeia para o migrante é bastante questionável e sofre severas críticas. A Agência Europeia de Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex) vigia a costa europeia, enquanto milhares de homens morrem durante a fuga. Simultaneamente, a política da União Europeia no referente à migração tem se mostrado mais liberal do que aquela adotada pelos Estados-membros. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça da União Europeia e a Corte Europeia concederam até mais direitos do que os próprios países no âmbito de suas jurisdições internas.
Essa situação tende a se agravar em um período em que os Estados discutem suas políticas internas e regionais durante a pandemia, e no pós-covid-19. Em um cenário de debates sobre o plano de recuperação do coronavírus em que agentes políticos, líderes empresariais, cientistas, acadêmicos e sociedade civil tentam se unir com o intuito de buscarem uma visão ecológica e sustentável para a União Europeia, alguns temas serão prioritários. O receio de que interesses lobistas se sobressaiam em um contexto de tantas incertezas corroborará para que a recuperação econômica per se já ocupe uma pauta considerável dentro do bloco.
Simultaneamente, a partir do momento em que um fluxo maior de migrantes de diversos países busca reconstruir suas vidas na União Europeia motivados por situações como conflitos armados, crises político-econômicas, perseguição política, mudanças climáticas, entre outras, faz-se necessário observar a migração como tema de suma importância hodiernamente. O contexto da covid-19 evidenciou a maior vulnerabilidade daqueles que se encontram em condições de moradia inadequadas, embora estejam vivendo em países desenvolvidos.