Em cenas de violência que não eram vistas há meses, a polícia chinesa arremeteu neste domingo (24) contra milhares de manifestantes que saíram às ruas de Hong Kong para protestar contra a lei de "segurança nacional" promovida por Pequim, que muitos veem como o fim da liberdade na ex-colônia britânica.
Em resposta à repressão policial, alguns manifestantes dispararam projéteis contra as forças da lei, ergueram barricadas improvisadas e usaram guarda-chuvas para se proteger do gás lacrimogêneo e dos canhões de água. A polícia de Hong Kong anunciou 120 prisões.
Nos últimos meses, a crise do coronavírus abafou as manifestações desatadas na região semiautônoma no segundo semestre do ano passado. Mas o projeto de lei que o regime comunista apresentou, na sexta-feira, no Parlamento para proibir a "traição, a secessão, a sedição e subversão" em Hong Kong reativou o movimento pró-democracia.
A lei de segurança de Hong Kong deve ser aplicada "sem demora", alertou neste domingo o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi.
O movimento pró-democracia vem denunciando veementemente essa manobra de Pequim sobre um assunto que há muito tempo desperta oposição dos habitantes de Hong Kong. Milhares foram às ruas em vários bairros da ilha, apesar da proibição de manifestações, gritando palavras de ordem contra o governo.
Canhões de água e barricadas
— As pessoas poderão ser processadas pelo que dizem ou escrevem contra o governo — denunciou Vincent, um manifestante de 25 anos, referindo-se ao projeto de lei de Pequim. — O povo de Hong Kong está com raiva porque não esperava que fosse tão rápido e brutalmente, mas não somos estúpidos. As coisas só vão piorar — afirmou.
Quando os manifestantes se dirigiam de Causeway Bay para o bairro vizinho de Wanchai, a polícia os atacou com gás lacrimogêneo e spray de pimenta, com a ajuda de canhões de água, de acordo com jornalistas da AFP no local.
A ex-colônia britânica passou pela pior crise política desde o retorno a Pequim em 1997, entre junho e dezembro, com manifestações praticamente diárias, às vezes violentas. Essa mobilização foi reforçada com o triunfo dos "pró-democracia" nas eleições municipais de novembro, mas no início do ano perdeu força devido a milhares de prisões conduzidas pela polícia e principalmente pelas restrições impostas no combate ao coronavírus.
"Estamos de volta! Encontro nas ruas em 24 de maio", lia-se no sábado uma pichação em uma parede perto da estação de metrô Kowloon Tong.
No entanto, a polícia havia alertado que proibiria qualquer manifestação ilegal, devido a restrições impostas contra a covid-19 que limitam as congregações públicas a um máximo de oito pessoas.
Hong Kong goza de ampla autonomia em comparação com o resto do país, em virtude do sistema "Um país, dois sistemas", no qual se baseou sua devolução pelo Reino Unido em 1997. Seus habitantes têm liberdade de expressão e de imprensa e um judiciário independente, direitos que não existem na China continental.
Esse modelo deveria durar até pelo menos 2047, mas muitas pessoas em Hong Kong acreditam que Pequim controla cada vez mais o território e o governo central interfere nos assuntos internos.
A lei de segurança nacional de Pequim é vista por muitos como a ação mais séria, até agora, contra a semiautonomia de Hong Kong.
Forças estrangeiras
Neste domingo, o chanceler Wang Yi garantiu que a nova lei "não influenciará o alto nível de autonomia de Hong Kong nem os direitos, privilégios e liberdades dos habitantes, nem os direitos e interesses legítimos dos investidores estrangeiros".
— Os atos violentos e terroristas continuam a aumentar e as forças estrangeiras se intrometeram profunda e ilegalmente nos assuntos de Hong Kong — alertou ele, apontando para "uma séria ameaça à prosperidade a longo prazo" do território.
O artigo 23 da "lei fundamental", que serve há como uma miniconstituição no território semiautônomo, prevê que a região se dote de uma lei de segurança. Mas essa cláusula nunca havia sido aplicada. É que uma grande parte do povo de Hong Kong vê nela uma ameaça às suas liberdades. A última tentativa do Executivo de Hong Kong de aplicar o artigo 23 fracassou devido aos grandes protestos do ano passado.
Os opositores do texto temem, em particular, uma cláusula que permitiria à polícia chinesa conduzir investigações em Hong Kong com seus colegas de Hong Kong. Muitos veem nela a tentativa de reprimir a dissidência no território.
— Estou com muito medo, mas temos que protestar — declarou neste domingo Christy Chan, de 23 anos.
O projeto será submetido ao Parlamento chinês na quinta-feira na sessão parlamentar de encerramento, mas ninguém duvida do resultado numa assembleia submetida ao PCC.