Espreitado pela Espanha, onde a pandemia de coronavírus já superou 9 mil vítimas fatais, com mais de 102 mil infectados, Portugal adota medidas rigorosas de isolamento social e restrição de circulação para não ter o mesmo destino trágico do único vizinho com quem faz fronteira territorial. Nesta quarta-feira (1º), o primeiro-ministro António Costa foi ao programa matinal de TV de maior audiência do país para anunciar que abril "será o mês mais difícil". Horas depois da entrevista, ele prorrogou por mais 15 dias o decreto de estado de emergência, com a manutenção de medidas severas de quarentena.
A intenção de Costa é manter Portugal em um patamar relativamente controlado, apesar do crescimento de 10,9% de contaminados pelo coronavírus na virada de terça para quarta-feira desta semana. Até agora, o país lusitano, com 10,3 milhões de habitantes, contabiliza 187 mortes e 8.251 infectados. Cerca de 65% dos óbitos foram de idosos de 80 anos ou mais.
As escolas do país estão fechadas, o comércio está parado, as belas praias sulistas se encontram vazias. Os restaurantes, famosos pelos pescados, cerraram portas. Cerca de 76 mil trabalhadores foram colocados em layoff (suspensão de contratos), com salários reduzidos a dois terços neste período. O governo está desembolsando dinheiro a fundo perdido para auxiliar a economia. A ordem é não sair de casa, e a população vem cumprindo a quarentena. Eventuais desobedientes são abordados nas ruas por patrulhas policiais. Se não conseguirem justificar que saíram do lar por razão de necessidade, são conduzidos de volta. Ocorreram 90 detenções por violação das normas de confinamento obrigatório.
A preocupação maior do primeiro-ministro, agora, é com o período de férias de Páscoa, que está no seu início. É tradicional que, nesta época do ano, no início da primavera, portugueses que emigraram para outras nações europeias voltem ao país para passar período de descanso. E também milhares de lusitanos que vivem na capital Lisboa ou em outras cidades grandes, como Porto, costumam viajar até suas regiões de origem, no Interior, para visitar a família. O governo anunciou que esses deslocamentos não serão permitidos.
— Este ano, não venham (para as férias de Páscoa). Fiquem. Até porque, se vierem, não poderão sair de casa — avisou Costa, em entrevista na TV.
Também neste período do ano, muitos espanhóis passam férias em Portugal, mas as fronteiras entre os países estão fechadas.
— As praias e os hotéis estão vazios. Começaria agora uma época de grande movimentação no Algarve (região litorânea do extremo sul). Em geral, funcionam só mercados e farmácias e praticamente não há ninguém na rua — relata Filipe Monteiro, 66 anos, escritor e aposentado português que vive em Lisboa.
Da janela do seu apartamento, ele enxerga a Estação do Oriente, que reúne serviços de transporte de ônibus, trens e metrô. A cotidiana paisagem emaranhada de metrópole deu lugar ao vazio. Acostumado a sair de casa diariamente para fazer caminhadas, Monteiro tem passado o tempo com leitura e escrita.
— Eu tinha viagem para Salvador, na Bahia. Era uma viagem de turismo marcada para 27 de março. Eu deveria estar em Salvador a essas horas. Ninguém me disse nada e o passeio, claro, não saiu — lamenta Monteiro.
Apesar da proximidade com a Espanha, o aposentado relata não perceber sensação de medo generalizado no país devido ao eventual avanço do coronavírus.
— De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento. É uma expressão que usamos há muitos anos. Quero dizer com isso que a situação da Espanha não vai nos influenciar, não acredito. As fronteiras estão fechadas — avalia, se valendo de um provérbio bem-humorado e alimentado por rivalidades da Península Ibérica.
A mesma segurança de Monteiro, ao menos por alguns instantes, não acompanhou a jornalista Amanda Lima, 26 anos, brasileira que mora em Lisboa desde dezembro de 2019.
— Fiquei com medo no início porque havia acabado de voltar de lá (Espanha). Mas me sinto segura agora porque as fronteiras estão fechadas, e o controle é rigoroso — conta Amanda.
Na capital portuguesa, ela divide apartamento com a mãe, Maristela Lima, e a amiga Letícia Pandolfis. Ambas trabalham no comércio, Maristela em restaurante e Letícia em loja, mas elas estão reclusas em quarentena porque os estabelecimentos se encontram fechados.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, a estimativa é de que 111 mil brasileiros estejam morando em Portugal. Mas, como não há obrigatoriedade de efetuar registro junto às autoridades consulares, dados extraoficiais apontam que já seriam 151 mil brasileiros em terras lusas.
A pandemia de coronavírus, além dos dramas humanitários, também está causando crises diplomáticas na União Europeia, com o envolvimento de Portugal. No final de março, o ministro das Finanças da Holanda sugeriu que a Espanha fosse investigada diante da alegação de que não tem margem orçamentária para suportar os efeitos da covid-19. A discussão de fundo é a divergência sobre os eurobonds — emissão conjunta de títulos da dívida, com riscos compartilhados —, alternativa para que a União Europeia monte um plano de recuperação econômica pós-pandemia. São favoráveis à medida países como Itália, Espanha, França, Bélgica, Portugal e Grécia, entre outros. No grupo dos contrários, Holanda, Alemanha, Áustria e Finlândia. As declarações da autoridade holandesa, sugerindo apuração contra a Espanha em momento de flagelo humanitário, causaram revolta no primeiro-ministro português, que saiu em defesa dos vizinhos publicamente.
— Esse discurso é repugnante no quadro de uma União Europeia. E a expressão é mesmo essa. Repugnante — discursou Costa, que acabou saudado pelos espanhóis. Os governos de Portugal e Espanha, atualmente, são conduzidos por coalizões de centro-esquerda.
— O ministro holandês cometeu um disparate. Se existe União Europeia, temos de ser solidários uns com os outros. O bloco está em risco por esse tipo de postura — opina Monteiro, atento às questões políticas continentais.