— Criamos uma campanha online para o nosso restaurante, na qual é possível financiar refeições para pessoas necessitadas. Ao mesmo tempo que faz isso, a pessoa também nos apoia e nos ajuda a pagar nossos custos fixos, o que nos permite manter alguns empregos.
Esta é a proposta do economista Tolgay Azman, 29 anos. Ele vive em Hamburgo, mas está ajudando seus pais, donos do restaurante berlinense Speisekombinat, a tentar contornar a situação da paralisação causada pelas medidas de contenção da propagação do coronavírus.
Assim como Azman, outros proprietários de empreendimentos na Alemanha tentam encontrar um caminho para reduzir o impacto da suspensão das atividades impostas pelo governo do país:
— Nossa preocupação hoje é a incerteza sobre quanto tempo tudo isso vai durar. As medidas do governo para proteger os cidadãos (do vírus) são importantes, mas também é preciso pensar no pequeno negócio, que não pode postergar seus compromissos.
A interrupção da economia do país pode ter impacto de até 730 bilhões de euros (R$ 4 trilhões), segundo projeção divulgada pelo Ifo-Institut (Instituto de pesquisa econômica da Universidade de Munique) na segunda-feira (23).
No documento, o instituto apresenta diferentes recortes de impacto, colocando variações para quarentenas de um, dois ou até três meses de duração. No cenário mais pessimista, a projeção é que o processo de recuperação da economia alemã chegue a durar quatro meses após o fim da parada.
Nas análises feita pelo Ifo, em uma primeira simulação, o impacto da suspensão de um mês das atividades econômicas da Alemanha deve resultar em uma perda de pelo menos 152 bilhões de euros (R$ 829 bilhões) e pode chegar até a 265 bilhões de euros (R$ 1,4 trilhão). No Produto Interno Bruto (PIB) do país, isso deve significar uma perda de 4,3 a 7,5 pontos percentuais.
Já no caso de uma parada de dois meses, a interrupção pode significar perdas de 255 bilhões (R$ 1,3 trilhão) a 495 bilhões de euros (R$ 2,7 trilhões). Neste cenário, a perspectiva é que o crescimento do PIB alemão neste ano tenha uma queda de 7,2 até 11,2 pontos percentuais, segundo o relatório.
Em uma situação de paralisação de até três meses, os custos para a economia do país podem variar entre 354 bilhões (R$ 1,9 trilhão) e 729 bilhões de euros (R$ 4 trilhões). Neste recorte, o crescimento alemão pode perder de 10 a 20,6 pontos percentuais. Os cálculos do estudo também projetam o orçamento público do país seja onerado em pelo menos 200 bilhões de euros (R$ 1 trilhão).
Já nesta semana, o governo federal alemão anunciou um pacote de 50 bilhões de euros para ajudar pequenos empresários e autônomos. A medida, divulgada na segunda-feira, não é um empréstimo, mas uma ajuda.
— Então, nada tem que ser pago de volta — disse o vice-chanceler e ministro das finanças da Alemanha, Olaf Scholz.
Para se ajustarem em três meses, empresas com até cinco empregados no estilo CLT poderão receber subsídio de até 9 mil euros (R$ 49 mil), enquanto as companhias com até 10 trabalhadores poderão ser ajudadas com até 15 mil euros (R$ 82 mil).
Além disso, o governo também anunciou na mesma data a criação de um fundo de estabilidade econômica para empresas que estavam saudáveis antes da pandemia. Esse fundo vai contar com uma reserva de 600 bilhões de euros (R$ 3,2 trilhões) para ajudar empresas a se refinanciar, se reconstruir e fortalecer seu capital.
Para ter acesso a esse montante, as companhias precisam se enquadrar em ao menos dois dos três critérios seguintes: balanço total de 43 milhões de euros (R$ 234 milhões), receita líquida superior a 50 milhões de euros (R$ 273 milhões) e mais de 249 funcionários.
Apesar das duas iniciativas do governo federal para darem um respiro à economia, há uma lacuna que não foi preenchida, conforme avalia a DEHOGA, entidade que reúne hotéis e restaurantes de toda a Alemanha.
— As medidas de resgate que o governo forneceu para mitigar as consequências econômicas da pandemia foram projetadas para empresas muito grandes ou unidades de negócios muito pequenas e não levam em conta as particularidades de empresas de médio porte. Por isso, tememos que o auxílio não funcione em nosso setor — afirmou Guido Zöllick, presidente da entidade.
Empresas de pequeno e médio porte na Alemanha são aquelas que têm acima de nove e menos de 499 funcionários. Além disso, a receita anual é superior a 2 milhões de euros (R$ 10,9 milhões), mas abaixo de 50 milhões de euros (R$ 273 milhões), de acordo com a definição do IfM Bonn (Instituto de pesquisa de pequenas e médias empresas de Bonn).
Em 2018, o total delas era de algo aproximadamente 416,5 mil ou 12% de todas as empresas do país. Embora com pouca representatividade numérica, elas são responsáveis por 44,6% dos empregos formais.
Por isso, a preocupação dos proprietários dessas empresas não é em vão. Até aquelas que permanecem operando no período de restrições estão tomando cuidados para evitar problemas futuros.
Paul Buller, 33 anos, faz parte da quinta geração de uma família que comanda a franquia de uma rede de supermercados. Localizado em Warendorf e em funcionamento desde 1893, o estabelecimento, com 45 funcionários, continua aberto em horário normal, mas a preocupação por restrições mais abrangentes fizeram seus proprietários buscar medidas de segurança.
— Nós e a maioria de nossos colegas já contratamos seguros no início de março, para caso lojas (de alimentos) precisem ser fechadas por algum tempo. Se isso acontecer, todas as mercadorias frescas e perecíveis, como frutas, verduras e produtos lácteos estariam em risco, juntamente com a falta de renda — disse Buller.
Outra preocupação com a suspensão das atividades vem das casas noturnas. Conforme reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, só em Berlim, cerca de 9 mil empregos devem ser afetados diretamente com a medida.
Também no intuito de contornar a questão, elas se reuniram e criaram uma plataforma online, oferecendo músicas, performances e debates para conseguir apoio financeiro. Até o fechamento deste texto, os clubes da capital alemã já haviam arrecadado 250 mil euros. A meta é 1 milhão de euros.
Mesmo com pacotes do governo e ações para evitar um apagão econômico, o país, que cresceu 0,6% em 2019, deve entrar em recessão neste ano.
— Esperamos uma recessão forte na Alemanha. A questão é quão profunda ela será. Isso vai depender do curso da epidemia e de como essa crise será administrada — disse Clemens Fuest, presidente do Ifo.