SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em meio à uma disputa particular sobre as origens da Segunda Guerra Mundial com a Polônia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse em Jerusalém, nesta quinta (23), que os cúmplices do nazismo na Europa eram "geralmente mais cruéis que seus mestres".
A fala ocorreu durante o discurso do russo na cerimônia alusiva aos 75 anos da libertação, por tropas soviéticas, do campo de extermínio de Auschwitz -o maior símbolo do Holocausto, a morte de 6 milhões de judeus pela Alemanha sob o ditador Adolf Hitler.
A fala de Putin, a primeira entre os poucos líderes mundiais que discursaram, é alvo de protestos na Polônia. O presidente do país onde Auschwitz e outros campos ficavam, Andrzej Duda, não foi à cerimônia porque não lhe foi permitido discursar e fará uma cerimônia própria sobre o tema na segunda (27), data oficial da libertação.
Desde o fim do ano passado, o líder russo tem dado declarações revisionistas acerca do início da guerra, em 1939.
Minimizou o papel do pacto de não-agressão entre a União Soviética e a Alemanha e realçou o do Acordo de Munique, no qual potências ocidentais tentaram apaziguar Hitler ao ceder partes da Tchecoslováquia em 1938.
Além disso, disse que a Polônia teve responsabilidade em incitar a invasão alemã que disparou o conflito. Todas as afirmações não são parte da historiografia usual da guerra.
"Nós não devemos esquecer que esse crime [o Holocausto] também teve cúmplices. Eles eram geralmente mais cruéis que seus mestres. Fábricas da morte e campos de concentração eram operados não só pelos nazistas, mas também por seus cúmplices em muitos países europeus", disse Putin.
Ele acrescentou um outro item polêmico à sua lista de revisão histórica quando afirmou que 40% das vítimas do Holocausto eram cidadãos soviéticos.
Como o número mais aceito de vítimas judaicas do país é de 1,3 milhão de pessoas, supõe-se que Putin adicionou à conta os mais de 1 milhão de mortos em territórios ocupados pelos soviéticos após o pacto que dividiu o leste europeu entre Moscou e Berlim.
Ele disse que o Exército Vermelho "pôs fim aos crimes", o que é verdade. A União Soviética, da qual a Rússia é o Estado sucessor após sua dissolução em 1991, foi o país que mais sofreu no conflito, com 27 milhões dos 65 milhões de mortos de 1939 a 1945.
Outros líderes também falaram, como o presidente Emmanuel Macron (França) e o vice-presidente Mike Pence (Estados Unidos), mas sem o peso histórico e político do discurso do russo.
O presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, abaixou a cabeça ao pedir perdão pelos crimes nazistas. "Eu gostaria de dizer que os alemães aprenderam com a história de uma vez por todas. Mas não posso dizer isso quando o ódio está se espalhando", afirmou.
A rixa de Putin com a Polônia, o país da Otan (aliança militar liderada pelos EUA) mais agressivo ante Moscou no Leste Europeu, pode ser vista como um recado para o Ocidente.
O Kremlin vê interesses poloneses nos vizinhos Ucrânia e Belarus, e caracterizar o governo em Varsóvia como historicamente beligerante faz parte da guerra de informação.
O presidente russo ainda pediu que os líderes dos membros efetivos do Conselho de Segurança das Nações Unidas (EUA, Rússia, França, Reino Unido e China) realizem uma cúpula neste ano para tratar de ameaças à paz mundial, como a guerra civil na Líbia.
Putin agradou os anfitriões ao se encontrar com a mãe de uma jovem israelense presa em Moscou com 9,6 gramas de haxixe -que lhe renderam desproporcionais 7,5 anos de cadeia, o que seria segundo a imprensa russa a retribuição pela prisão e extradição de um hacker russo em Israel.
Ele afirmou à mulher que "tudo vai ficar bem", embora não tenha anunciado o esperado perdão, que viria a calhar para a campanha eleitoral do premiê israelense, Binyamin Netanyahu.
Ambos os líderes inauguraram um monumento em Jerusalém ao cerco nazista a Leningrado, hoje São Petersburgo, que durou de 1941 a 1943 e deixou de 650 mil a 1 milhão de mortos. Ali, Putin comparou o antissemitismo à russofobia.
Putin encontrou-se com líderes israelenses e com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas.