Cinco civis e três combatentes morreram em ataques aéreos depois que a Turquia iniciou nesta quarta-feira (9) uma ofensiva contra a minoria curda no nordeste da Síria. A ação começou dois dias após o governo americano retirar seus soldados da região.
Depois do anúncio, o presidente Donald Trump recuou e disse que não estava abandonando o curdos. E agora, afirma em nota, que o ataque foi "uma má ideia" e que não tem apoio dos EUA.
Segundo as Forças Democráticas Sírias (SDF), lideradas pelos curdos), há dezenas de civis feridos, e o clima é de "pânico generalizado".
Representantes dos curdos relatam que 25 jatos bombardearam alvos militares e civis em cidades perto da fronteira, incluindo Qamishli, Ras al-Ayn e Tal Abyad, além de Ain Issa, que fica a 50 km da divisa.
Por volta das 22h30min locais (16h30min do Brasil)Ministério da Defesa turco informou que suas tropas terrestres também começaram a entrar no território do país vizinho.
Especialistas temem que a ação cause uma crise humanitária, já que milhares de pessoas fugiram das cidades próximas à fronteira.
O início dos ataques foi anunciado pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que afirmou que o objetivo da ação é acabar com o que ele chamou de um "corredor do terror" na fronteira. A operação foi batizada de Fonte da Paz.
Historicamente, a Turquia afirma que a região, ao sul de seu território, cria um espaço para a ação de grupos terroristas. Erdogan ameaçava havia meses invadir a região, onde vivem os curdos, mas os Estados Unidos eram contra.
No domingo (6), o presidente turco conversou por telefone com Donald Trump e pediu que Washington não interferisse na ação.
Na segunda (7), Trump anunciou que as tropas americanas não iriam se envolver, abrindo espaço para a invasão. A decisão foi considerada uma traição aos curdos, aliados de Washington na guerra civil que assola a Síria desde 2011.
Ainda na campanha presidencial, em 2018, Trump prometeu retirar os EUA de "guerras sem fim" no Exterior. Mas esse abandono dos curdos gera temores de que Washington faça o mesmo com outros aliados militares no Exterior.
O conflito opõe as forças leais ao ditador Bashar al-Assad ao Estado Islâmico, aos curdos e a outros grupos rebeldes (que se dividem em diferentes facções, incluindo islâmicos e movimentos pró-democracia).
Em uma rede social, o presidente turco afirmou também que a operação está sendo feita de maneira conjunta com o grupo rebelde Exército Livre da Síria e que os alvos são o PKK (uma organização política curda que Ancara classifica como terrorista), a YPG (a milícia curda na Síria) e o Estado Islâmico (adversário da Turquia e dos curdos).
Erdogan diz que pretende criar uma zona de segurança no norte da Síria e alojar ali os milhões de refugiados sírios que fugiram do país durante a guerra civil e atualmente vivem em campos em território turco, perto da fronteira.
O Exército Livre da Síria, aliado da Turquia, convocou seus membros a lutar com violência contra os curdos. "Ataque-os com um punho de aço. Faça eles sentirem o gosto do inferno de suas armas", disse um comunicado do grupo. O material também pedia que civis e desertores fossem poupados.
A SDF pediu que a comunidade internacional feche o espaço aéreo da Síria para impedir o bombardeio turco. O comando do grupo afirmou que a região "está à beira de uma catástrofe humanitária".
Os curdos são uma minoria étnica que soma entre 30 milhões e 40 milhões de pessoas, espalhadas por Turquia, Síria, Irã e Iraque.
Há décadas eles lutam para criar um Estado próprio, o que os coloca em rota de colisão com Ancara, que classifica os grupos separatistas de terroristas. Os curdos na Turquia dizem que buscam autonomia, mas não necessariamente a independência.
Na Síria, porém, os curdos são aliados dos americanos na luta contra o Estado Islâmico e o ditador Assad, que também é adversário de Ancara, mas que conta com apoio de Rússia e Irã.
Os curdos são aliados americanos desde a invasão do Iraque para derrubar o regime de Saddam Hussein, em 2003. E desde 2011 eles recebem apoio dos EUA para combater o Estado Islâmico, que perdeu as regiões que controlava na Síria e no Iraque.
Outra questão sensível nesse embate é que os curdos mantêm presos na Síria cerca de 60 mil ex-combatentes do Estado Islâmico que foram capturados, além de seus familiares.
Washington espera que a Turquia assuma o controle sobre eles, mas há temores de que escapem, o que favoreceria o ressurgimento do grupo terrorista. Há ainda o risco de um massacre, caso esses prisioneiros sejam capturados pelas forças leais a Assad.
Críticas internacionais
A Rússia, principal aliada de Assad, adota um tom cauteloso e pediu um diálogo entre Damasco e os curdos para resolver a situação.
Já o Irã, que também dá apoio ao ditador, pediu que a Turquia evitasse ações militares na região, apesar de afirmar que Ancara tem o direito de estar preocupada com a situação em sua fronteira.
O Reino Unido e a França criticaram a operação e disseram que irão convocar uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para tratar do tema, provavelmente nesta quinta (10).
A União Europeia pediu que a Turquia pare a ação militar e questionou a criação da zona de segurança para os refugiados.
— Se o plano envolve a criação dessa autonomeada zona de segurança, não espere que a UE pagará por isso — disse Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia.
A Alemanha também pediu o fim da ação e disse temer que ela possa fortalecer o Estado Islâmico. A operação também foi criticada por Itália e Dinamarca.
Nos EUA, o senador republicano Lindsey Graham, aliado de Trump, criticou o presidente pela decisão sobre os curdos.
— O gesto do presidente vai completamente contra os conselhos de todo mundo. Ele terá 100% de crédito se ele sabe de algo que o resto de nós não sabe. E terá 100% da culpa — disse ele.
O senador também defendeu que os EUA apliquem duras sanções à Turquia. Segundo ele, há maioria no Congresso para barrar vetos de Trump sobre essa questão.
Segundo a rede de TV CNN, o embaixador americano em Ancara foi convocado pelo governo turco para receber informações sobre a ação.