Em frente ao espelho, Delia Barrios se maquia com blush e batom. Quer ficar bonita para festejar seus 102 anos, cercada por seus entes queridos, como acontece com muitos centenários cubanos, cuja longevidade intriga os especialistas.
"Não me sinto dessa idade porque tenho uma família (...) que me ama muito, me ajuda a me sentir bem", explica Delia, enquanto dirige habilmente sua cadeira de rodas elétrica, com sua tataraneta Patricia, de setoiada em uma bengala, cozinhava há até alguns, quando os médicos lhe aconselharam que deixasse de fazer a tarefa. Ela também não costura mais, mas pode colocar linha na agulha e ler o jornal sem óculos.
Qual é o seu segredo? "Sou muito familiar, amo muito minha família, meus filhos, meus netos, (e) tenho bisnetos, seis. Nunca estou sozinha, nunca".
Totalmente lúcida, lembra que tinha 40 anos no triunfo da revolução de Fidel Castro em 1959. "Eu me adaptei a todos os governos", diz.
Vive no bairro do Vedado com seu neto e sua filha Regla, de 68 anos, com quem divide a cama e cuida dela todos os dias.
"É minha obrigação, porque ela me deu tudo. Agora tenho que recompensá-la", disse Regla, convencida de que sua mãe "vai durar 120 anos".
"A bisavó dela era escrava", e "parece que esse sangue de escravo que ela tem é mais forte, por isso dura tanto", acrescenta.
- Manipulação -
Essa longevidade cubana é um desafio para especialistas.
"O apoio da família tende a favorecer a longevidade: isso se vê no Japão", explica Robert Young, diretor do Grupo de Pesquisas sobre Gerontologia (GRG), dos Estados Unidos. O clima quente também ajuda, acrescenta.
Afirmar que em um país se vive mais tempo do que em outro, é também "utilizado com fins de propaganda ideológica", aponta.
Segundo Vincent Geloso, professor da Economia da King's University College de Canadá e autor de um artigo sobre o tema, os médicos cubanos "têm números a alcançar ou sofrem sanções".
Geloso evoca a manipulação das estatísticas, de modo semelhante ao que ocorria na antiga URSS: as mortes neonatais são contadas como apenas mortes ao final da gravidez para não aumentar as taxas de mortalidade infantil, o que reduziria a expectativa de vida.
Entretanto, destaca que "mesmo no pior cenário de manipulação, Cuba é um país que tem alta expectativa de vida em comparação com seu nível de renda".
Para explicar esse "paradoxo", Geloso aponta, entre um coquetel de bons ingredientes, um fator inesperado: "Cuba tem uma das taxas mais baixas de posse de automóveis". No mundo, os acidentes de trânsito são uma das principais causas de morte.
"E não é porque os cubanos não gostam de dirigir, mas porque não podem comprar novos automóveis", adverte Geloso.
Também cita restrições alimentares durante o "Período Especial" (crise econômica da década de 1990) que reduziram a diabetes e as "medidas coercitivas de saúde pública", como a quarentena de soropositivos nos anos de 1980.
"Cuba tem muito sucesso em manter as pessoas vivas por muito tempo", disse Geloso. "Mas se oferecêssemos aos cubanos a possibilidade de escolher entre um ano a mais de vida e, por exemplo, rendas mais altas ou outro tipo de educação, o que escolheriam?".
* AFP