Criticado por agricultores e ambientalistas, o amplo acordo comercial firmado na sexta-feira (28) entre a União Europeia e o Mercosul (elos Estados-membros, o que se anuncia como uma tarefa complicada.
- Vitória diplomática -
Anunciado na sexta-feira após 20 anos de duras negociações, as últimas em Bruxelas, o acordo foi considerado uma vitória "histórica" pela Comissão Europeia, que negociou em nome dos Estados-membros.
"É um gesto político muito forte" em favor do "multilateralismo diante da atitude os Estados Unidos", defendeu Olivier Dabène, presidente do Opalc (sigla em francês para Observatório Político da América Latina e Caribe).
Este amplo acordo será acrescido, se validado pelos Estados-membros, a duas importantes iniciativas similares da UE com Canadá e Japão. Esse movimento é visto como uma resposta ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que desestabiliza o comércio mundial com sua política protecionista.
A conclusão de um pacto comercial com o Mercosul estava longe de ser alcançada, apesar do recente otimismo na América do Sul.
Mas os negociadores aproveitaram "um alinhamento de planetas que não era visto há 20 anos", disse Olivier Dabène.
- Agricultores descontentes -
O texto do acordo ainda não foi divulgado, mas os poucos detalhes conhecidos, incluindo cotas agrícolas oferecidas aos sul-americanos, deixaram insatisfeitos os agricultores europeus, que multiplicaram reações na maior parte da Europa.
"Totalmente desequilibrado" para o maior sindicato alemão, "uma enganação" para o seu equivalente francês, o acordo é considerado "vergonhoso" pelos agricultores irlandeses.
A Copa Cogeca, o maior sindicato agrícola da UE, criticou "uma política comercial de dois pesos e duas medidas", porque considera que o acordo ampliará a "distância entre o que é exigido dos agricultores europeus" em termos de regras e normas "e o que é tolerado pelos produtores do Mercosul" que exportarão para a UE.
Ao longo do fim de semana, os produtores europeus receberam o apoio de eurodeputados de todas as tendências do espectro político. Isso sugere uma longa batalha sobre o texto no Parlamento Europeu, que terá de decidir a respeito do tema.
- Ecologistas revoltados -
"O livre-comércio está na origem de todos os problemas ecológicos", denunciou no domingo à noite o ex-ministro francês da Transição Ecológica Nicolas Hulot, em entrevista ao jornal "Le Monde".
"Acabamos não acreditando mais em ninguém. Dizem coisas e, nos bastidores, (...) assinam tratados que nos levam na direção contrária", prosseguiu o ex-número três do governo francês.
Mesmo antes do anúncio de sexta-feira, mais de 340 ONGs criticaram as políticas do presidente Jair Bolsonaro desde que assumiu o cargo, em janeiro, conclamando a UE a interromper as negociações.
Sua política "é uma catástrofe, não há dúvida. Regredimos um longo caminho. E, com absoluto cinismo, restauramos o poder dos lobbies do agronegócio", estima Olivier Dabène.
"Entre dois males, porém, nós escolhemos o menor", que é manter o Brasil no Acordo de Paris sobre o Clima, ao qual o texto faz referência explícita, acrescenta esse especialista.
"Não podemos derramar lágrimas de crocodilo sobre o aquecimento global e consolidar a lógica econômica que produz esses problemas", disse Christophe Ventura, diretor de pesquisa do Iris.
- Ratificação incerta -
Um longo percurso aguarda agora o compromisso de sexta-feira, que será primeiro traduzido em um texto jurídico, que levará vários meses, até ser submetido aos Estados-membros para aprovação no âmbito do Conselho da UE, a instituição que os representa.
O costume dita que deve haver unanimidade.
A UE poderá então assiná-lo oficialmente, antes de uma votação pelo Parlamento Europeu. Isso levará à sua entrada em vigor de forma provisória.
O texto terá, então, de ser aprovado em cada Estado-Membro, o que significa que, na maioria dos casos, vai acabar nas mãos dos parlamentos nacionais.
Do lado sul-americano, o processo também parece incerto, segundo Christophe Ventura, que lembra que o presidente Bolsonaro "não tem a maioria no Congresso" brasileiro.
Quanto à oposição argentina, "já disse que não ratificará como está".
No entanto, uma eleição presidencial é esperada para o final de outubro na Argentina e, nela, o atual presidente Mauricio Macri não é o favorito.
"O acordo pode se estilhaçar totalmente com um novo Congresso", completou.
* AFP