A falta de experiência de alguns alpinistas e uma pequena janela com condições climáticas ideais ajudam a explicar as 11 mortes na atual temporada de escalada no Everest, segundo o comerciante e alpinista Gilberto Thoen, 56 anos. No dia 21 de maio do ano passado, Thoen, que é natural de Campo Bom e tem como base Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, chegou ao cume do monte mais alto do mundo após 51 dias de escalada.
— Muita gente inexperiente tem ido para o Everest. O Everest não é uma montanha fácil de escalar. Depende de vários fatores: equipe, guias, condições climáticas, preparo da pessoa, o estado emocional. Para escalar o Everest, tu tens de estar com o emocional 100% — afirmou.
O comerciante explica que a questão emocional corresponde a 60% do necessário para conseguir escalar o Everest. Ele justifica a afirmação, citando que o alpinista precisa estar preparado mentalmente para agir de acordo com cada adversidade durante a subida e a descida do monte.
Entre os percalços de sua escalada, o alpinista cita a falta de água quando ele e sua equipe chegaram ao cume.
— Estávamos totalmente desidratados. Nós tínhamos um sherpa no campo 4 (local conhecido como "zona da morte" em razão das adversidades e estágio onde começa o ataque ao cume) que subiu com dois litros de água, o máximo que conseguiu.
Durante o percurso, nove garrafas de oxigênio da equipe de Thoen desaparecerem, o que obrigou o grupo a racionar as reservas do item.
— A descida do cume foi muito complicada. Nós tivemos a felicidade de o clima naquele dia estar ajudando. A temperatura estava - 25ºC, tinha pouco vento. Mesmo já debilitados, conseguimos chegar com a ajuda dos sherpas ao campo 4 com segurança.
Descida é um dos momentos mais críticos
Algumas das mortes registradas nesse ano ocorreram no momento da descida da montanha. É o caso do americano Christopher John Kulish, 61 anos, que perdeu a vida na última segunda-feira (27).
— Tu gastas toda a tua energia para chegar ao cume. Tu chegas no cume e relaxa, bate tuas fotos, mas ali não caiu a ficha ainda. Quando você dá meia volta para começar a descer, tem de ter a atenção redobrada. Descer o Everest é como descer uma escada ao contrário — explica.
A escassez de oxigênio também é um complicador na descida, de acordo com o alpinista.
Revisão de critérios para o próximo ano
Thoen entende que a tragédia atual joga luzes sobre a necessidade de repensar o sistema atual de autorizações para escalar o Everest. O governo do Nepal concedeu 381 autorizações para a temporada de primavera deste ano, que pode registrar recorde de pessoas chegando ao cume. Cada licença custa US$ 11 mil.
— Não sei como o governo do Nepal vai trabalhar com essa situação que aconteceu neste ano, pensando no próximo ano. Com certeza, eles vão ter de tomar uma atitude para limitar os passes. Vão ter de arrumar uma condição de maior segurança para as pessoas.
Thoen explica que a falta de experiência com equipamentos também causa problemas na escalada, gerando filas maiores na rota até o topo. Neste ano, o congestionamento na montanha é apontado como uma das principais explicações para o elevado número de mortes. Pelo menos quatro óbitos registrados nesta temporada são atribuídos aos engarrafamentos na chamada "zona da morte".
Sete cumes
Thoen começou a escalar montanhas em 2009, após assistir a uma reportagem sobre o acampamento base do Everest. Desde então, ele chegou aos chamados sete cumes — Everest (Nepal), Aconcágua (Argentina), Denali (Estados Unidos), Kilimanjaro, (Tanzânia), Monte Elbrus (Rússia), Monte Vinson (Antártica) e Carstensz (Papua, Oceania). Esses são considerados os pontos mais altos em cada Continente.
O comerciante diz que pretende visitar mais vezes o Nepal — local onde ele diz ter muitos amigos —, mas não pensa em escalar novamente o Everest até o topo:
— Acredito que o Everest me deu uma chance e sou muito feliz. Não quero pedir para ter essa segunda chance. O Everest é uma montanha que te permite escalar. Não quer dizer que ela vai deixar você escalar. É um risco muito grande.
O alpinista reforça que preparação é fundamental para quem visa enfrentar o desafio de escalar o Everest. Além da questão técnica e física, o emocional é essencial, conforme Thoen.
— Tem de treinar muito. Ser muito humilde e acreditar que tu tens força. Você não pode ir para o Everest com uma situação emocional fraca. Tem de ir acreditando em si.
Thoen afirma que, antes de escalar a montanha no Nepal, é interessante o alpinista subir outros montes no início da temporada, como o Aconcágua. Bolívia, Equador e Peru são outros países na América do Sul com montanhas que podem ser usadas na fase de preparação, segundo o comerciante.