Há 20 anos, o então presidente americano, Bill Clinton, teve de responder uma dura sequência de perguntas sobre sua relação sexual com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky, na época com 22 anos.
Algumas dessas perguntas foram redigidas pelo então jovem advogado Brett Kavanaugh.
Em uma incômoda coincidência, o agora juiz Kavanaugh enfrentou na quinta-feira uma avalanche similar de consultas invasivas por parte dos senadores americanos, para avaliar se ele deve, ou não, ser confirmado para ocupar uma vaga na Suprema Corte dos Estados Unidos, em meio a um escândalo sexual.
"Alguma vez esfregou sua genitália na dra. Ford?", perguntaram a Kavanaugh, em uma audiência extraordinária da Comissão de Justiça do Senado para tratar da denúncia da professora Christine Blasey Ford.
Ela acusa o juiz de ter tentado violentá-la em uma festa de 1982, quando ambos estavam no Ensino Médio.
"Não", respondeu o juiz.
"Alguma vez cobriu a boca da dra. Ford com a mão?". A mesma resposta.
"Alguma vez participou de algum tipo de episódio sexual com a dra. Ford?".
Outro "não".
Esse foi um dos vários agonizantes diálogos durante a audiência. Em muitos momentos, Kavanaugh demonstrou sua irritação com o processo, o qual classificou de "desgraça nacional".
Trata-se de um drama incômodo e completamente inesperado para a atual era tóxica da política, na qual o próprio presidente Donald Trump já foi acusado por inúmeras mulheres de conduta sexual inadequada.
Há mais de duas décadas, o procurador especial Ken Starr, designado para investigar as transações financeiras de Bill Clinton, contratou um jovem Kavanaugh para auxiliar nessa investigação.
Dois dias antes de Clinton testemunhar diante de um grande júri sobre sua relação com Monica Lewinsky, Kavanaugh escreveu um memorando para Starr, afirmando que o presidente não merecia qualquer "alívio" no interrogatório, a menos que "renunciasse, ou confessasse perjúrio".
Kavanaugh redigiu dez duras perguntas, várias sexualmente explícitas, para serem feitas ao então presidente.
"Se Monica Lewinsky dissesse que você inseriu um cigarro em sua vagina enquanto estava no Salão Oval, estaria mentindo?", escreveu Kavanaugh na nota, publicada no mês passado pelos Arquivos Nacionais.
"Se Monica Lewinsky dissesse que fez sexo oral com você nove vezes no Salão Oval, estaria mentindo?", é outra pergunta.
- 'Assassinato de um personagem' -
Esse linguajar relembra outro debate no tribunal superior que abalou o país em 1991.
Durante as audiências de confirmação de Clarence Thomas para a Suprema Corte, sua outrora assistente Anita Hill testemunhou sobre suas conversas de cunho sexual, com relatos picantes sobre filmes pornôs.
"Me contou graficamente sobre sua própria destreza sexual", relatou à época.
Thomas e Kavanaugh foram ambos indicados por presidentes republicanos, graduados na Faculdade de Direito de Yale e acusados de má conduta sexual. Ambos negaram as acusações.
Thomas, que foi confirmado para ocupar uma vaga na corte, classificou os procedimentos como "linchamentos de alta tecnologia".
Já Kavanaugh disse que o "circo" envolvendo as acusações contra ele equivale ao "grotesco e coordenado assassinato de um personagem".
Bill Clinton também manifestou seu mal-estar com o interrogatório e disse que eram "perguntas que nenhum cidadão americano queria responder".
Em um dado momento da audiência de ontem, Kavanaugh fez referência ao caso do presidente democrata, quando foi acusado pela Câmara de Representantes, mas absolvido pelo Senado.
A audiência foi um "golpe político calculado e orquestrado", disse um desafiador Kavanaugh aos congressistas, "alimentado com aparente raiva reprimida pelo presidente Trump e pelas eleições de 2016... e uma vingança em nome dos Clinton".
A Comissão de Justiça do Senado vota nesta sexta-feira sobre a indicação de Kavanaugh. A plenária do Senado deve votar na próxima semana.
* AFP