Os venezuelanos se viram mergulhados em incertezas depois das confusas reformas econômicas anunciadas pelo presidente Nicolás Maduro, que, segundo especialistas, representam uma megadesvalorização que não vai deter a espiral inflacionária.
Antes do lançamento, na segunda-feira, das novas cédulas com cinco zeros a menos, Maduro formalizou outras medidas, com as quais espera tirar a economia dos quatro anos de recessão e frear uma inflação que o FMI projeta ser de 1.000.000% em 2018.
"Os próximos dias serão de muita confusão tanto para os consumidores quanto para o setor privado, especialmente o comercial. É um cenário caótico", prevê o diretor da consultora Ecoanalítica, Asdrúbal Oliveros.
Neste sábado, o governo venezuelano chamou "mentiras" as críticas de especialistas às reformas econômicas anunciadas por Maduro.
"Não dêem ouvidos a mentiras", disse o ministro das Comunicações e Informação, Jorge Rodríguez, em entrevista coletiva.
Maduro anunciou na noite de sexta que multiplicará por 34 o valor do salário mínimo, como parte de seu programa de recuperação econômica.
O presidente venezuelano detalhou que o mínimo ficará "ancorado" ao valor do petro, a criptomoeda criada pelo governo socialista para obter liquidez.
Cada petro, segundo o presidente, equivale a cerca de 60 dólares, com base no preço do barril do petróleo venezuelano.
"Fixei o salário mínimo, as aposentadorias e a base dos salários para todas as faixas salariais do país em meio petro, 1.800 bolívares (da nova moeda que entrará em vigor na segunda-feira)", revelou Maduro em mensagem à Nação.
Em bolívares de hoje, o salário mínimo passaria a 5,2 milhões (menos de um dólar no mercado negro) para 180 milhões (cerca de 28 dólares).
Este reajuste, de 3.464%, será o quinto do ano e passará a vigorar a partir de segunda-feira.
Na Venezuela, o salário mínimo não é suficiente para comprar um quilo de carne.
- Mais inflação -
Apesar de prometer a adoção de um programa de "disciplina fiscal", Maduro disse que o Estado assumirá, por 90 dias, a "diferença" do aumento do salário mínimo para todas as "pequenas e médias indústrias do país", sem precisar como será o procedimento.
"Temos que seguir para uma disciplina fiscal prussiana e eliminar definitivamente a emissão de dinheiro não orgânico e sustentar a emissão de dinheiro na produção de riqueza, de petróleo, de ouro, de turismo", disse o presidente.
O diretor da consultora Econométrica, Henkel García, questionou de onde Maduro tirará esses recursos, com um déficit perto dos 20% do PIB e sem acesso ao financiamento internacional.
Portanto, os preços e a base monetária terão um aumento descomunal na próxima semana, afirma García.
As emissões de dinheiro dispararam com a queda da renda proveniente do petróleo, que representa 96% do orçamento.
A produção de petróleo caiu mais de 50% em uma década, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
Maduro, no poder desde 2013 e confrontado com uma grande rejeição popular, também anunciou um aumento do IVA para os bens de luxo de 12% para 16%.
- Macrodesvalorização -
Além disso, afirmou que haverá uma única taxa oficial flutuante dentro do forte controle cambiário com o qual o governo monopoliza as divisas desde 2003.
O presidente disse que também estará ancorada no petro, mas não informou de quanto será.
No entanto, ao fixar cada petro em 3.600 bolívares soberanos e taxá-lo, por sua vez, em 60 dólares, o câmbio resultante poderá ser de 6 milhões de bolívares atuais por cada dólar.
Para Oliveros, é um "reconhecimento do mercado negro", que Maduro classifica de criminoso e no qual as cotações multiplicam por 30 as oficiais.
Para o especialista, isso implica uma "macrodesvalorização".
Para pressionar um retrocesso do mercado negro, Maduro prometeu em princípio três leilões de divisas semanais, que pretende aumentar para cinco.
"No entanto, para uma taxa de câmbio única, são necessárias divisas e elas não existem", analisou o economista Orlando Ochoa.
A partir da próxima segunda, será possível negociar divisas em casas de câmbio autorizadas pelo governo, depois de anulada uma recente lei que punia essas operações.
- Carnê da pátria -
Como parte de seu programa de recuperação, o governo estendeu até 30 de agosto um censo veicular para que as pessoas recebam diretamente um subsídio através do chamado "carnê da pátria", um cartão eletrônico para ter acesso a programas sociais.
A oposição chama esse documento de "mecanismo de chantagem e controle social".
Maduro afirmou que quem não participar do censo pagará a gasolina a preços internacionais.
Até agora, segundo ele, foram registradas 1.863.750 pessoas, em um parque automotivo de 4,5 milhões de unidades.
O chefe de Estado continua sem definir as novas tarifas do combustível nem quando começarão a ser cobradas.
A Venezuela tem a gasolina mais barata do mundo: com um dólar na taxa de mercado negro pode-se comprar mais de seis milhões de litros.
Maduro decretou feriado na segunda-feira para a adequação do novo sistema.
Os caixas eletrônicos - indispensáveis na Venezuela para qualquer transação diante da falta de dinheiro em espécie - serão suspensos por até 24 horas a partir das 18h00 locais de domingo.
- Convocação de greve -
Três dos principais partidos políticos de oposição convocaram neste sábado uma greve na terça-feira contra o pacote de reformas econômicas.
As organizações convocantes são o Primeiro Justiça, do ex-candidato presidencial Henrique Capriles; o Vontade Popular, do líder em prisão domiciliar Leopoldo López; e o Causa R, do ex-dirigente sindical Andrés Velásquez.
"Convocamos nesta terça-feira (...) a um primeiro dia de PROTESTO E GREVE NACIONAL, contra Maduro, contra a hiperinflação e a fome", publicaram as três organizações em suas contas no Twitter.
* AFP