Em mais uma ofensiva do presidente Daniel Ortega contra a onda de protestos que sacode a Nicarágua, uma violenta operação de forças policiais e paramilitares a vários povoados no sul do país deixou pelo menos 10 mortos e cerca de 20 feridos neste domingo (15). Já são mais de 280 mortos em manifestações contra o governo.
Seis dos mortos são civis, entre eles dois menores, e quatro são policiais do Batalhão de Choque. As informações são do relatório preliminar da Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPDH).
O ataque aconteceu na cidade de Masaya, 30 quilômetros ao sul da capital do país, Manágua, nas comunidades vizinhas de Niquinohomo, Catarina e no bairro de Monimbó.
— Este é um informe preliminar, ainda está em processo de investigação os nomes e idades dos mortos. Há franco-atiradores localizados em diferentes partes da cidade. Pedimos à população para se proteger em suas casas — disse à imprensa o presidente da ANPDH, Alvaro Leiva, acrescentando que as autoridades foram requisitadas a abrir uma via para retirar os feridos, o que não foi autorizado.
O carro que transportava o bispo Abelardo Mata, um dos cinco líderes católicos que mediam o diálogo entre o governo e a oposição, foi atacado a tiros por paramilitares ligados ao governo. Segundo seu assistente, Roberto Petray, os vidros do veículo foram quebrados e o bispo, um forte crítico do governo da Nicarágua, quase foi queimado. O arcebispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, disse no Twitter que Mata está fora de perigo.
A presidente do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), Vilma Núñez, afirmou que o município de Masaya está "absolutamente cercado, vão destruir a cidade".
A população do bairro de Monimbó resiste aos ataques da polícia de choque e de paramilitares, afirmou Álvaro Gómez, um morador da região.
— A Polícia Nacional e parapoliciais encapuzados e armados com AK-47s e metralhadoras estão atacando nosso bairro indígena de Monimbó. Resistimos com bombas caseiras e pedras — afirmou o morador.
Leiva, da associação pelos direitos humanos da Nicarágua, pediu socorro aos bispos da Conferência Episcopal, ao Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
O secretário da CIDH, Paulo Abrão, disse no Twitter ter conhecimento da "repressão violenta à população de Masaya" e que "o Estado parece ignorar o diálogo" com a oposição.
O arcebispo Silvio Baéz disse no Twitter que observadores internacionais "estão indo para a área das aldeias-alvo e Monimbó para alcançar soluções pacíficas e proteger a população".
Já o site governista El 19 Digital informou que "Niquinohomo é território liberado" de bloqueios, com base na chamada "operação limpeza", que incluiu Diriá, Diriomo, Catarina e Monimbó.
O ataque a Masaya acontece um dia depois de 200 estudantes terem sido libertados com a mediação de bispos católicos, após passarem 20 horas entrincheirados em uma paróquia diante dos ataques de tropas governamentais.
Entenda a crise na Nicarágua
A incursão ocorre no meio da ofensiva que o governo empreendeu no início de julho para "limpar" à força as barricadas que os manifestantes levantaram nas principais estradas e cidades do país, em meio aos protestos que deixam mais de 280 mortos desde 18 de abril. Muitos foram baleados na cabeça, no pescoço, nos olhos.
O estopim dos protestos foi uma reforma da previdência, que o governo acabou revogando, mas os protestos continuaram, espalhando-se por todo o pais. Os manifestantes pedem justiça pelos mortos da repressão - entre eles, um jornalista que cobria os eventos.
O presidente Ortega pediu a mediação da Igreja Católica, num diálogo com a oposição e vários setores da sociedade: agricultores, empresários, sindicalistas e estudantes. Os bispos exigiram certas condições, como o fim à repressão e a aceitação de uma investigação da Comissão Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (CIDH) - entidade ligada a Organização dos Estados Americanos (OEA), que reúne 34 países das Américas e do Caribe.
Ortega aceitou, mas rejeitou o primeiro relatório da CIDH, que acusa o governo de usar a força para intimidar os manifestantes.Segundo o secretario-executivo da CIDH, Paulo Abrão, isso constitui prova de que "atiraram para matar". Exames realizados pelos investigadores da CIDH revelaram que as balas, de alto calibre, partiram de armas normalmente usadas pelas forcas de segurança.
Entre as vitimas dos mais recentes ataques, estão bispos e sacerdotes que foram golpeados por patrulhas de simpatizantes de Ortega. A CIDH e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos emitiram um comunicado condenando "energicamente os graves atos de violência, ocorridos em diferentes zonas da Nicarágua neste final de semana, que teriam deixado pelo menos 20 pessoas mortas, entre elas, pelo menos dois policiais".
O documento também pede ao governo que "se abstenha de fazer declarações publicas que estigmatizem os atores que defendem os direitos humanos".
A nova onda de violência ocorreu depois que Ortega rejeitou a recomendação dos demais integrantes do Diálogo Nacional de antecipar as eleições, para apaziguar o pais. Líder da Revolução Sandinista de 1979, contra a ditadura de Anastasio Somoza, Ortega conquistou seu terceiro mandato presidencial consecutivo em 2016.
Mas os resultados da votação - sem a presença de observadores internacionais - foi questionada pela oposição e também por antigos aliados do ex-guerrilheiro esquerdista. Ortega e a mulher, Rosario Murillo - que também e sua vice-presidente - são acusados de querer instalar uma dinastia politica corrupta, como a dos Somoza.