
Um dos médicos que está trabalhando na identificação dos mortos no acidente aéreo em Havana, ocorrido nesta sexta-feira (18), é o cubano Jorge González Pérez, um dos responsáveis por liderar a exumação do ex-presidente brasileiro João Goulart, o Jango, deposto pelo golpe militar de 1964. Perez passou a ganhar protagonismo internacional por ter atuado na busca pelos restos mortais do guerrilheiro Ernesto "Che" Guevara, herói da Revolução Cubana, de 1959.
Neste sábado (19), veículos cubanos como o Juventud Rebelde publicaram fotos e declarações de Pérez sobre o trabalho de identificação das 110 vítimas fatais do Boeing 737-200 que caiu logo após deixar o aeroporto José Martí, em Havana. Opositora do regime cubano, Yoani Sánchez também comentou a participação do médico nas perícias, questionando se trata-se de "outra operação de marketing de Estado".
Em 2013, a pedido da família do ex-presidente Jango, sob mediação do Ministério Público Federal (MPF), foi encaminhada a exumação do líder trabalhista, falecido no exílio em dezembro de 1976, principal herdeiro político de Getúlio Vargas. O governo federal, à época liderado pela então presidente Dilma Rousseff, assumiu a organização. A Secretaria dos Direitos Humanos, então comandada pela deputada Maria do Rosário, e a Polícia Federal, tomaram a dianteira dos trabalhos. Com a exumação e exames periciais, a ideia era esclarecer se Jango havia sido, hipoteticamente, morto por envenenamento em uma ação da ditadura militar.
A exumação foi iniciada em 13 de novembro de 2013, pela manhã. Tudo aconteceu em um mausoléu com nove caixões no cemitério Jardim da Paz, em São Borja, onde se encontram falecidos das famílias Goulart e Brizola — incluindo o ex-governador Leonel Brizola. A previsão era de que a exumação de Jango levasse oito horas, mas as dificuldades em localizar o esquife e a precariedade de registros ocasionaram um tenso prolongamento. O som de brocas perfurando pedras, trabalho que tinha de ser feito de forma delicada e precisa, invadiu a madrugada. Foram necessárias 19 horas para encontrar a gaveta em que repousavam os restos mortais do ex-presidente, levados horas depois de avião de São Borja para Brasília.
Ao longo daquele dia, a inconclusão dos trabalhos causava ansiedade. A imprensa nacional — em parte transmitindo conteúdo para o mundo — estava em grande número instalada em barracas do lado de fora do cemitério, em uma rua simples de São Borja. A equipe de 12 peritos era chefiada por Amaury de Souza Júnior, da Polícia Federal. Mas, em breve entrevista em frente ao cemitério para comentar os procedimentos, o cubano Pérez foi posicionado para responder as principais perguntas. Não habituado ao cerco de repórteres, foi lacônico, pouco movimentando seu notório bigode para falar.
— Ele foi indicado pela família. Meu irmão mais novo, João Marcelo, é médico e estudou em Cuba. Foi a partir disso que chegamos ao Pérez, além da experiência dele por ter atuado em casos como o do Guevara — relata Cristhoper Goulart, neto de Jango.

A perícia nos restos mortais Jango, divulgada em dezembro de 2014, não localizou vestígios de substâncias que possam ter sido usadas para envenenar o ex-presidente. O exame indicou que os dados clínicos e as circunstâncias da morte de Jango, na Argentina, são compatíveis com causas naturais. Mas, em virtude de mudanças sofridas pelo corpo em quase quatro décadas, capazes de apagar resquícios de algum veneno, não foi afastada a hipótese de assassinato.
