O médico psiquiatra brasileiro Nelson Asnis fez um passeio de quatro dias por Pyongyang, capital da Coreia do Norte, para conhecer a alma de um dos países mais fechados do mundo. Foi um entre cinco brasileiros que viajam, em média, ao ano, ao país governado com mão de ferro por Kim Jong-un. Conforme Asnis, "os norte-coreanos preparam-se para uma guerra desde a infância, convictos do acerto de sua causa e profundamente devotados aos seus líderes Kim", família no poder há quase 70 anos.
Leia mais:
O real perigo que vem do Oriente
Após míssil, caças dos EUA sobrevoaram região próxima à Coreia do Norte
Conversar com Coreia do Norte 'não é a solução', afirma Trump
No retorno, Asnis escreveu o livro Um psiquiatra na Coreia do Norte (Editora Buqui, 112 páginas), lançado na semana passada. Na publicação, o escritor conta sua experiência no país asiático.
Zero Hora conversou com o psiquiatra. Confira a entrevista:
Por falta de energia, os norte-coreanos usam lanternas à noite nas ruas. Isso significa que as armas são a prioridade do país ou que a potência nuclear na verdade é um blefe?
Não é um blefe. O que ocorre é que as armas nucleares são uma prioridade. São usadas como barganha. Daí a diferença entre ter interesse em manter o regime e ter interesse nos interesses do povo.
Qual percepção do subconsciente é possível ter na capital, Pyongyang?
Eu prestava muita atenção nos olhares. Por exemplo, quando fui ao metrô, percebi os olhares cabisbaixos das pessoas. É um povo triste, porque é reprimido, sem liberdade alguma. Imagina na nossa época não ter internet. Para viajar de Pyongyang ao interior, as pessoas têm de pedir permissão. Não há nenhuma liberdade. Isso deixa um povo muito oprimido. Eles vêm desde a infância com uma formação de submissão e obediência aos presidentes, os pais da pátria. Desde criancinhas, são educados a adorá-los, tal como os fundamentalistas.
O viajante sente esse tipo de opressão?
Quando me retiraram o passaporte na entrada, estava sem celular pelo risco de que algum amigo me mandasse algo. Se algum amigo me mandasse mensagens, me comprometeria. Não se pode nem dobrar o jornal em que aparece o presidente. Se a pessoa faz isso, pode ir presa.
Como foi a preparação para essa viagem?
Me preparei por mais de um ano, psicologicamente também. Queria entender o que poderia e não poderia fazer, o que significava respeitar as regras deles. Quando se vai à casa dos outros, deve-se respeitar as regras da casa. Foi o que fiz. Sabia que tinha de me conter. Não podia dizer o que pensava livremente, porque isso poderia soar como propaganda contra o regime. Então, tu ficas completamente preso, sem falar nos dois guarda-costas que me vigiavam e vigiavam um ao outro. É uma situação de completa paranoia. Dizem que há até câmeras no quarto. Sem passaporte, sem celular, sem comunicação alguma com quem quer que seja.
Quais os ensinamentos desta experiência?
Achava interessante passar por essa situação. Vejo muito isso no consultório e não sinto na minha vida pessoal. Entendi que era uma forma de me aproximar um pouco mais de o que é ser oprimido dentro de uma família, num casamento, num trabalho. Vivenciei pessoalmente essa experiência de opressão. Não foi fácil ficar quatro noites em um quarto de hotel sozinho. Os guias me deixavam no hotel e sugeriam educadamente que não saísse à noite. Em uma manhã, me permiti brincar com um deles, dizendo que estava muito frio, e preferi não sair. É claro que não sairia. Eles viram que eu não constituía uma ameaça para eles. Pelo contrário, saí de lá respeitando muito aquelas pessoas, que aprenderam a viver assim.