A Venezuela já vinha em processo de caos socioeconômico e nocaute nas instituições, afundando em autoritarismo reforçado pela assembleia constituinte do presidente Nicolás Maduro, com cassação da democracia representativa e do voto universal. Agora, esse desastre caribenho transborda de suas fronteiras e se impõe como preocupação internacional, chegando à suspensão do Mercosul. O país administrado com mão de ferro e armas de fogo por Maduro se encastela em seus próprios dramas.
Além da constituinte votada no dia 30 sem plebiscito prévio e sob suspeitas de fraude para encobrir os processos democráticos com seu “suprapoder”, a semana deu motivos para reações de países e organizações. Na terça-feira, líderes opositores deixaram suas breves prisões domiciliares e voltaram ao cárcere, unindo-se aos demais 500 presos políticos. A Organização das Nações Unidas (ONU) pediu ao governo da Venezuela que reveja métodos, diminua tensões e reduza a violência que já deixou pelo menos 125 mortos desde abril.
– O secretário-geral está preocupado porque uma escalada de tensões políticas vai distanciar a Venezuela de um caminho que leve a uma solução pacífica para os desafios do país – afirma Stephane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU, o português António Guterres.
O constitucionalista venezuelano Luis Salamanca diz que a intenção de Maduro é evitar a derrota nas eleições e a perda do poder. Os pleitos para os governos estaduais teriam sido realizados no final de 2016, com amplo favoritismo da oposição (que já conquistara maioria absoluta no pleito legislativo nacional). Para 2018, estava programado o pleito presidencial. As pesquisas indicam vitória oposicionista. Maduro tem 80% de impopularidade.
– Diante desse repúdio internacional, o governo e a constituinte têm chumbo nas asas – declara Salamanca.
Líderes europeus e presidentes sul-americanos condenaram as prisões. O Chile acolheu refugiados em sua embaixada. “Entrou em nosso prédio em Caracas o advogado Luis Marcano solicitando proteção. Com ele, já são seis pessoas refugiadas na embaixada do Chile”, informou o chanceler chileno, Heraldo Muñoz, no Twitter.
Os venezuelanos acolhidos são Zuleima Del Valle, Beatriz Ruiz, José Fernando Núñez e Elenis Del Valle (integrantes da Suprema Corte “paralela” nomeada pelo parlamento, já que a oficial é controlada pelo governo). Desde abril, está na embaixada o opositor Roberto Enríquez. A presidente socialista do Chile, Michelle Bachelet, disse estar decepcionada com a “ilegítima” eleição dos constituintes na Venezuela. Na mesma linha, o Panamá deu abrigo na sexta-feira aos juízes Gustavo Sosa Izaguirre e Manuel Antonio Espinoza Melet.
O governo argentino recomendou que seus cidadãos limitem as viagens à Venezuela. “Dada a situação, onde nos últimos dias foram registrados casos de insegurança e violência perpetrados pelas forças governamentais e confrontos com a população civil, sugere-se aos cidadãos argentinos limitar as viagens a esse país a situações de estrita necessidade”, informou em nota a chancelaria argentina. Em seguida, a Aerolíneas Argentinas cancelou seu voo semanal de Buenos Aires a Caracas.
Nem o governo colombiano, que teve a parceria da Venezuela para alcançar a paz com a guerrilha das Farc, reconhece a constituinte de Maduro. Para o presidente Juan Manuel Santos, ela “destrói a democracia”.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o uruguaio Luis Almagro, tornou-se desafeto de Maduro, tais as críticas que lhe faz. Almagro emprestou seu apoio à ex-presidente Dilma Rousseff e via um golpe contra ela no Brasil. Na Venezuela, foi um dos primeiros a definir o presidente como ditador, sendo agora seguido por diversos governos.
Na quinta-feira, foi a vez de a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) lançar pedido de ajuda à comunidade internacional, criticando a situação enfrentada pela imprensa venezuelana. Foram detectados, desde o começo dos protestos, 554 denúncias de violações à liberdade de expressão.
– A situação é muito grave. Por isso, a RSF decidiu lançar este S.O.S para chamar a atenção – explicou Balbina Flores, representante da ONG no México.
O Vaticano, que vinha tentando mediar o diálogo entre governo e oposição, rompeu seu silêncio. Por meio de nota, pediu que “se evitem ou suspendam iniciativas em curso como a nova constituinte” na Venezuela.
A reação chavista aos estrangeiros tem se mostrado nas ruas. No dia 3, duas pessoas em motocicletas lançaram coquetéis molotov contra a embaixada da Espanha em Caracas. A Espanha, como outros países europeus e os EUA, defende boicotes econômicos contra o governo de Maduro.