Os chanceleres do Mercosul se reúnem neste sábado (5), em São Paulo, para discutir a situação da Venezuela, que deve ser suspensa politicamente por seus sócios em razão da crise humanitária e institucional que o país atravessa.
Seria a segunda vez que o bloco fundado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai suspende um de seus membros invocando a "Cláusula Democrática", como fez com o Paraguai, em 2012, após a destituição do então presidente Fernando Lugo.
Há uma expectativa de que, no encontro deste sábado, previsto para começar às 11h, os quatro países alcancem um acordo para suspender a Venezuela "pela ruptura da ordem democrática", disse uma fonte diplomática brasileira.
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Na prática, isso mudaria em pouco, ou nada, a situação do país no grupo, já que a Venezuela se encontra suspensa do Mercosul desde dezembro por descumprir obrigações comerciais, com as quais se comprometeu ao se incorporar ao bloco em 2012. Tampouco implicaria uma expulsão da Venezuela do Mercosul. Uma suspensão por razões "democráticas" teria, porém, um impacto político muito maior do que as medidas tomadas até agora, estimam observadores.
Censura do Mercosul
– Seria um golpe muito duro para a situação internacional do governo de Nicolás Maduro. É uma censura dos países do Mercosul ao que o Estadovenezuelano fez ao longo dos últimos meses – disse o professor de Relações Internacionais Maurício Santoro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
A Venezuela "enfrenta hoje a possibilidade de se tornar um pária internacional na América Latina", acrescentou.
A chamada "Cláusula Democrática" foi ativada pelos países do bloco, em abril, quando já haviam alertado, reunidos em Buenos Aires, sobre uma "ruptura da ordem democrática" e iniciaram um processo de consultas, prévio à suspensão.
O ponto de ruptura foi a eleição, no último domingo (30), de uma Assembleia Nacional Constituinte promovida pelo governo de Nicolás Maduro, fortemente questionada pela comunidade internacional, além da detenção – pouco depois – de dois eminentes líderes de oposição que cumpriam prisão domiciliar.
Ledezma, prefeito de Caracas, foi novamente transferido para sua casa nesta sexta-feira (4), onde cumpre prisão domiciliar.
A Constituinte é vista como um suprapoder que regerá o país por tempo indeterminado e reformará a Carta Magna de 1999, promovida pelo presidente Hugo Chávez, falecido em 2013.
Venezuelanos que moram em São Paulo convocaram um protesto perto do local da reunião dos chanceleres amanhã para pressioná-los a suspender o país.
Suspender, mas não isolar
A decisão de suspender um de seus membros deve ser tomada por consenso, como estabelece a Cláusula Democrática, documento assinado em 1998 pelos países fundadores junto com Bolívia e Chile.
Na véspera do encontro, o governo argentino de Mauricio Macri foi o que manifestou com mais firmeza sua postura contrária a Nicolás Maduro.
– A Venezuela tem de ser definitivamente suspensa do Mercosul. É inaceitável o que está acontecendo nesse país – pediu Macri.
O Brasil também criticou a eleição da Constituinte e exigiu a libertação imediata dos "presos políticos". Sua postura foi considerada mais tímida do que a dos vizinhos, diferentemente de Argentina e Paraguai, por exemplo, que não reconheceram o resultado de domingo.
Para o chanceler Aloysio Nunes, a suspensão pode ser considerada "uma consequência lógica, natural de um fato constatado há alguns meses, que é a ruptura da ordem democrática".
O Uruguai declarou, por sua vez, que não é partidário de se aplicar a Cláusula Democrática, mas não se oporá se os demais seguirem por esse caminho.
Caso se concretize, a suspensão não deve acarretar sanções econômicas, na avaliação de analistas e de acordo com declarações de Aloysio Nunes.
– Isso só agravaria a crise e tornaria ainda mais duro o castigo que já pesa sobre o povo venezuelano – disse Nunes esta semana ao jornal O Globo.
Para Santoro, embora os países da região tenham a intenção de dar à Venezuela uma forte mensagem política, não buscam isolá-la do continente.
– Há um esforço de parte dos países da região de não isolar, simplesmente, a Venezuela de qualquer contato diplomático. Ninguém rompeu relações diplomáticas – lembrou o professor.
Se a suspensão se concretizar, Santoro estima que Maduro deverá, no mínimo, cancelar a Constituinte e libertar os presos políticos se pretende retornar ao Mercosul.
– Isso mostraria que há, de fato, uma disposição do governo de negociar, de chegar a um acordo com a oposição, garantir que haja eleições presidenciais no próximo ano e que elas vão acontecer em um ambiente democrático, pacífico e de respeito das diferenças – completou Maurício Santoro.