Na capa da edição desta sexta-feira que circula no Reino Unido, o tabloide londrino The Sun resumiu o choque diante do resultado da eleição parlamentar desta quinta-feira. "Mayhem" (desordem), diz a manchete, em referência à tática desastrada da primeira-ministra Theresa May, responsável pela segunda derrota do Partido Conservador nas urnas em um ano.
Segundo pesquisas de boca-de- urna, os conservadores saem do pleito com a maior bancada individual no parlamento: 314 dos 650 assentos, conforme o instituto Ipsos Mori. Para governar sozinho, como May e seu antecessor David Cameron fizeram desde 2015, são necessários 326 cadeiras, equivalentes à metade mais um do total. Se esses números forem confirmados, o partido de May terá perdido 16 cadeiras em relação à última eleição parlamentar, em dezembro de 2015.
Desgraça para o governo, sucesso da oposição: os trabalhistas, liderados por Jeremy Corbyn, teria ganhado 34 cadeiras em relação à bancada atual, ficando com 266 parlamentares, menos de 50 abaixo dos conservadores – um cenário que, antes da eleição, vinha sendo apontado como desastroso para May. O Partido Liberal Democrata, de centro-direita, deve conquistar 14 cadeiras e poderia compor com os conservadores se a ruptura da aliança anterior, em 2015, não tivesse esfriado a relação.
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O Reino Unido segue o sistema distrital para eleger parlamentares. Portanto, os resultados não correspondem exatamente às percentagens de voto. Havia 46,9 milhões de eleitores registrados, e o voto no país não é obrigatório.
A maior perdedora da eleição é May, cujo objetivo, ao antecipar as eleições (a renovação do Parlamento estava prevista apenas para 2019 pelo calendário eleitoral), era justamente aumentar a vantagem em relação aos trabalhistas e adquirir fôlego político para negociar o Brexit com os ex-parceiros da União Europeia. Foi há um ano atrás, em 23 de junho de 2016, que o plebiscito sobre a saída do bloco, convocado por Cameron, terminou em fiasco, com o voto pela ruptura vencendo por uma pequena margem e provocando a queda do primeiro-ministro.
A primeira-ministra defende um modelo duro, em que o país deixará o bloco econômico e também o mercado único, que congrega 500 milhões de consumidores europeus. Trabalhistas discordam disso.
O Brexit foi um dos principais temas que motivaram eleitores, ao lado do sistema de saúde e da educação. Mobilizados para eleger um Parlamento que impeça os planos conservadores de um "Brexit duro", eleitores compilaram listas para o voto tático em diversos distritos do Reino Unido. As tabelas indicavam que partidos tinham maior chance de derrotar a sigla de May – a margem em alguns deles era de poucos milhares de votos. Os partidos concentraram suas campanhas nesses distritos para reverter as pequenas diferenças – entre eles, algumas regiões de Birmingham, Bristol e Oxford.
Os conservadores, em especial, miraram o centro do país, onde pesquisas apontavam declínio no apoio dos trabalhistas. Eram disputadas também as vagas que o Ukip, de direita ultranacionalista, deveria perder durante o pleito – segundo as projeções, a legenda não terá nenhuma vaga no novo Parlamento.
A primeira-ministra votou em Maidenhead, Berkshire, ao lado do marido. Ela acenou a repórteres com um "Olá” entusiasmado. Corbyn, por sua vez, votou em Holloway, no norte de Londres, onde foi recebido com ovações por eleitores. Sua campanha foi marcada por um intenso apoio popular, reunindo multidões nos discursos.
Em seu último comício, em Londres, o trabalhista havia dito na véspera que mudou a maneira britânica de fazer política.
– Já transformamos o debate e demos esperança às pessoas. Esperança de que as coisas não têm de ser assim. Que a desigualdade pode ser combatida. Que a austeridade pode ter fim – disse o líder de oposição.
A campanha de Corbyn foi, em geral, mais bem avaliada do que a de sua rival. Ela se recusou a participar de um debate televisivo, por exemplo, uma atitude interpretada como arrogante.