O ex-diretor do FBI James Comey acusou o governo de Donald Trump, nesta quinta-feira (8), de espalhar mentiras e de praticar difamação em um depoimento dado no Senado americano, o qual pode ter consequências explosivas para a Casa Branca.
Em uma audiência de quase três horas na Comissão de Inteligência dessa Casa, Comey reafirmou que Trump lhe pediu para deixar em paz seu então conselheiro de Segurança Nacional, o general Michael Flynn. O assessor de Trump estava na mira de uma investigação do FBI sobre a ingerência da Rússia na eleição presidencial de 2016.
Comey reconheceu que Trump nunca lhe pediu para encerrar qualquer investigação sobre Moscou. Declarou, porém, que, quando o presidente lhe pediu para deixar Flynn tranquilo, interpretou isso como uma "ordem" de seu comandante em chefe.
No início da sessão, o presidente da Comissão, senador Richard Burr, perguntou diretamente: "em algum momento o presidente lhe pediu para interromper a investigação sobre a ingerência russa nas eleições em 2016?".
Comey deu uma resposta monossilábica: "não".
Sobre a investigação que conduzia naquele momento, Comey disse não ter dúvidas de que a Rússia exerceu ingerência nas eleições, mediante a invasão dos sistemas de computadores do Comitê Nacional do Partido Democrata. Ele admitiu, porém, que as informações que possuía não lhe permitiam afirmar que o resultado da eleição tenha sido manipulado.
Nesse contexto de forte pressão sobre a Presidência, Trump tentou se mostrar otimista.
"Vamos brigar e ganhar", garantiu Trump em uma reunião com governadores e prefeitos, enquanto Comey testemunhava no Senado.
Em declarações nesta quinta, Marc Kasowitz, advogado de Trump, rejeitou as partes comprometedoras do depoimento. Chegou, inclusive, a sinalizar com a possibilidade de processar o ex-diretor do FBI, depois que este admitiu ter vazado para a imprensa informações confidenciais sobre uma conversa com o presidente.
No Senado, Comey também reafirmou sua versão sobre as pressões feitas por Trump, mas disse que não lhe cabe definir se este fato constitui uma tentativa de obstrução à Justiça.
"Não acho que deva dizer se as conversas que tive com o presidente foram obstrução à Justiça. Foi uma coisa muito perturbadora, desconcertante", afirmou diante da Comissão de Inteligência do Senado.
- Trump 'difamou' Comey ao FBI -
Nesta quinta-feira, Comey preferiu não reler seu depoimento divulgado por escrito, na véspera, antecipadamente.
Hoje, ele afirmou que decidiu começar a redigir memorandos internos de todos os seus contatos com Trump e que logo discutiu com um restrito círculo de subordinados no FBI.
No início de maio, Trump demitiu Comey, alegando que o FBI estava em uma situação caótica.
"Apesar de não ser necessário dar uma razão para demitir o diretor do FBI, o governo preferiu me difamar e, mais importante, o FBI, afirmando que a organização era uma desordem, malconduzida e que os agentes perderam a confiança em seu responsável", queixou-se Comey.
De acordo com o ex-diretor do FBI, "eram mentiras, pura e simplesmente".
Quase imediatamente, a porta-voz adjunta da Casa Branca, Sarah Huckabee, tentou minimizar o impacto da declaração.
"Posso afirmar, com segurança, que o presidente não é um mentiroso e, francamente, me sinto insultada pelo questionamento", respondeu.
Durante a sessão, dois senadores pressionaram Comey sobre as razões pelas quais não denunciou imediatamente que o presidente lhe fazia um pedido improcedente para a integridade de uma investigação do FBI.
"Não sei. Estava tão surpreso com a conversa que ouvi, e a única coisa que consegui pensar era [...] como responder. Por isso, escolhi minhas palavras cuidadosamente", relembrou.
Quando anunciou a demissão de Comey, em maio, Trump tuitou uma ameaça velada para que se mantivesse em silêncio, sugerindo que poderia ter gravações das conversas entre eles.
Nesta quinta-feira, Comey deixou claro que não se sentiu intimidado: "vi a mensagem no Twitter sobre as gravações. Eu espero que haja gravações".
Comey afirmou que discutiu com seus subordinados mais próximos a situação gerada pelas pressões de Trump e explicou que a cúpula do FBI não queria "contaminar" a equipe que fazia as investigações, comentando as pressões da Casa Branca.
"Não queríamos que os agentes soubessem o que o presidente havia pedido. Quando vem do presidente, tomo como uma instrução", disse o ex-funcionário perante o Senado.
Além disso, explicou que, depois de sua demissão, organizou os vazamentos para a imprensa de informações sobre seus encontros com Trump para provocar uma investigação independente.
"Pedi a um dos meus amigos que entregasse o conteúdo de minhas anotações a jornalistas. Não o fiz por conta própria por diferentes razões, mas o fiz porque acreditava que poderia provocar a nomeação de um procurador especial independente", alegou.
De fato, o ex-diretor do FBI Robert Mueller foi nomeado para esse função um dia após os vazamentos na imprensa.
- Bares lotados em Washington -
A expectativa com o testemunho de Comey era tamanha que vários bares do centro de Washington abriram mais cedo para que os clientes acompanhassem a sessão pela televisão.
Meia hora antes do início da audiência, a fila para entrar em uma popular taberna era de mais de 100 metros.
A executiva de marketing Sade Cornelius, de 33 anos, acompanhava o depoimento quase sem pestanejar.
"É bom poder, enfim, ouvir a história da fonte original", comentou.
Hoje, Comey e os senadores da Comissão de Inteligência concordaram em fazer uma reunião a portas fechadas, para que o ex-diretor do FBI possa responder a outras questões que ficaram sem resposta na sessão aberta.
Essa Comissão realiza uma das várias investigações em curso sobre o papel da Rússia nas eleições do ano passado. A Comissão de Inteligência da Câmara de Representantes também investiga o caso em separado, assim como as comissões de Assuntos Jurídicos de ambas as Casas do Congresso, além do Comitê de Supervisão e Reforma de Governo.
Desse caso dependerá o futuro da administração de Donald Trump, que tem tido dificuldades para concretizar as reformas prometidas.
A popularidade do 45º presidente dos Estados Unidos estava nesta semana em um nível historicamente baixo, com apenas 38% de opiniões favoráveis, segundo o Gallup.
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* AFP