Faltavam menos de 15 minutos para Hillary Clinton subir ao palco montado em frente ao prédio Edward and Joan Warren, onde funciona a escola de Ensino Médio do condado de Pitt, na Carolina do Norte, quando um homem vestindo terno preto passava, com um ferro a vapor, a bandeira dos Estados Unidos. O símbolo americano estava posicionado na vertical, bem atrás do local onde a candidata democrata discursaria instantes depois. Fazia calor ontem na região: 29C às 14h40min. Não havia vento. Mas a bandeira, ainda assim, ficava a todo momento amarrotada. Quando isso acontecia, lá ia o homem de terno preto com seu ferro a vapor.
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O tratamento meticuloso dado à bandeira dos EUA exemplifica com precisão o cuidado com a imagem nos comícios de Hillary. Eventos como o de ontem, em Winterville, são produzidos mais para as câmeras de TV do que para os cerca de 1,8 mil apoiadores da democrata, que enfrentaram três horas e meia de calor, revistas do serviço secreto, filas para ver Hillary. Há cuidado com a luz: os refletores são posicionados de forma a rebater a claridade do sol da tarde; o teleprompter, onde Hillary lê o discurso, é posicionado na altura perfeita da candidata. Na dúvida, o mesmo homem que passava a ferro a bandeira tirou do bolso uma trena para o ajuste final. Até parte da plateia é escolhida a dedo. À direita de Hillary, estrategicamente, estava um grupo de simpatizantes reunidos de forma a representar a diversidade de eleitores que os democratas buscam conquistar: latinos, imigrantes chineses, afro-americanos, brancos de classes média e baixa, jovens, crianças, idosos. Durante o ensaio, um animador de torcida distribuía cartazes a quem gritava mais.
Às 15h40min, a bandeira americana ainda apresentava pontos amarrotados, mas não havia mais tempo. O corre-corre dos jornalistas que cobrem em tempo integral a candidata, sempre os últimos a chegar, anunciava a presença de Hillary. Também os olhares dos agentes do serviço secreto, posicionados junto ao palco, mudaram: estavam mais atentos a qualquer movimento suspeito. Enquanto a comitiva entrava pelos fundos do colégio, ao meu lado, Michelle Alligood, moradora de Witerville agitava uma plaquinha com a inscrição: “She is with us” (Ela está conosco).
– Hillary vai ser a nossa primeira mulher na presidência – empolgava-se, segurando pela mão o filho, Kevin.
O menino de 12 anos não compartilhava da mesma empolgação.
– É a primeira campanha dele. Ele está engajado – insistia a mãe, sem sucesso.
Vestindo casaco e blusa rosa, Hillary subiu ao palco em meio a aplausos e alguns gritos. Seu discurso é preparado para o eleitorado feminino– “Madame president” é uma expressão que os simpatizantes da democrata estão começando a utilizar com mais freqüência. Maquiada em tons leves, com batom corda pele, Hillary fala pausadamente. Exibe elegância, mas não entusiasma como Barack e Michelle Obama, tampouco como Bill Clinton, seu marido e também exímio orador. Nos cerca de 30 minutos em que discursou em Winterville, a democrata mirou também os interesses dos imigrantes, especialmente latinos, e afro-americanos. Hillary foi chamada ao palco por Mae Brown Wiggins, uma senhora que se emocionou ao alegar ter sido discriminada pela empresa de Trump,ao tentar comprar um apartamento em Nova York.
– Tudo porque sou negra – disse, com a voz quase falhando.
– Se ele (Trump) não respeita todos os americanos, como podemos confiar que ele servirá aos americanos? – questionou Hillary.
A cinco dias da eleição, os ataques ao republicano foram vários: a democrata acusou-o de apoio a Ku Klux Kan e repetiu insinuações de machismo feitas pelo candidato. A platéia ensaiou algumas vezes gritos de "Hillary", mas apenas o grupo da direita, selecionado, se empolgou. Os demais ouviram a democrata entre silêncio atento e aplausos. Hillary é cerebral até quando tenta apelar para o patriotismo. A empolgação de 2008 e 2012, quando a maioria do Estado votou por Obama não se repete. O entusiasmo dos americanos anda em baixa. Com exceção, é claro, do cuidadoso homem de terno preto que zelou pela bandeira durante todo o evento de ontem. E, no final, ainda conseguiu uma selfie com Hillary.