Já se passaram décadas desde que último trem foi visto na velha estação de Beijie, no sul da China. Em uma recente manhã de inverno, o único sinal de atividade vinha de um grupo de estudantes de Arquitetura ocupados com suas pranchetas.
A estação é um prédio de tijolos à vista de dois andares com janelas de vitrais. A bilheteria com barras de metal ainda está em pé no meio do corredor. Na parede atrás da bilheteria há uma cópia dos horários do trem da era pré-comunista: um dólar pelo bilhete de primeira classe da estação até a cidade de San He; 70 centavos pelo bilhete de segunda classe.
A estação é o sobrevivente mais importante da Ferrovia Xinning, a tentativa ambiciosa de um empresário chinês que viveu fora do país no início do século XX para ajudar a modernizar sua terra natal, Taishan, mais conhecida como Toishan, uma região de rizicultores na província de Guangdong e que é o ponto de origem de muitos imigrantes chineses.
O projeto foi o precursor da badalada ferrovia de alta velocidade, mas era uma linha privada, uma das primeiras na China, e foi construída pela ambição de um único homem comprometido com o avanço do país.
Esse homem, Chen Yixi, retornou a Taishan depois de passar 40 anos nos Estados Unidos fazendo fortuna, na maior parte trabalhando como empreiteiro em Seattle para projetos ferroviários. O dinheiro que arrecadou para a Ferrovia Xinning veio primariamente de sino-americanos.
- Eu acho fenomenal que agricultores de Taishan tenham ido aos EUA e ao Canadá para ganhar dinheiro e construir ferrovias. Foi assim que eles aprenderam a tecnologia e ganharam dinheiro, para então voltarem para casa e usarem essas tecnologias e esse dinheiro para contribuir com a modernização de suas regiões de origem - afirmou Liu Jin, de 46 anos, professor na Universidade de Wuyi, em Jiangmen, e diretor do Centro de Pesquisa dos Chineses no Exterior, enquanto se sentava em seu escritório e mostrava fotos digitais de certificados de ações da ferrovia.
Estudiosos como Liu documentaram a ascensão e a queda da Ferrovia de Xinning para melhor compreender as forças modernizadoras na China e o papel dos chineses no exterior.
Na região de Taishan, Chen e seu projeto - seu sonho chinês - entraram para a história. Uma estátua dele foi erguida ao lado de um shopping em Taishan, a capital do condado. Em Doushan, o ponto final da ferrovia ao sul, existe outra estátua e uma locomotiva preta na praça principal. Certa tarde, meia dúzia de parentes posavam para fotos no local.
- Eu não o conheço tanto assim. Ele gastou tudo o que tinha para construir o trem - afirmou Wing Chan, de 31 anos, um mecânico de São Francisco que estava visitando parentes na região.
No vilarejo natal de Chen, a 10 minutos de carro de Doushan, uma placa ao lado das cidades em estilo europeu que pertenceram a ele elogiavam seu trabalho. O Museu dos Chineses no Exterior, em Jiangmen, mantém uma grande exposição sobre a ferrovia.
- Certamente Chen Yixi foi a pessoa que mais se aproximou de conquistar a condição heroica atribuída ao huaqiao - ou os chineses que vivem no exterior, em revistas conhecidas como qiaokan, afirmou Madeline Y. Hsu, professora da Universidade do Texas, em Austin, no livro "Dreaming of Gold, Dreaming of Home" (Sonhando com ouro, sonhando com o lar, em tradução livre), um livro sobre o transnacionalismo dos chineses do sul, com um capítulo dedicado a Chen.
"Esse rico mercador, empreiteiro, e engenheiro ferroviário de Seattle concebeu e concretizou parcialmente um plano para resgatar Taishan da estagnação agrícola e transformá-la em uma agitada metrópole comercial", escreveu.
Por meio de conexões familiares, Chen se mudou pela primeira vez aos EUA por volta de 1862, quando era adolescente. Enquanto aprendia inglês e fazia o curso de Engenharia, ele fundou uma empresa que fornecia mão de obra para projetos ferroviários. Ele se tornou um dos pilares da comunidade empresarial de Seattle.
Em 1895, as forças estrangeiras tomaram controle das ferrovias chinesas por meio de um tratado resultante da derrota da China na guerra contra o Japão. Foi uma medida relevante no sentido de concretizar o que muitos chineses temiam: que a China fosse tomada por outras nações. Alguns chineses que viviam fora do país voltaram para ajudar a fortalecer a China, e uma das decisões que adotaram foi iniciar a construção de ferrovias privadas.
Chen foi um dos que se dedicou a esse projeto, mas ele não foi o primeiro. Uma outra tentativa de construir uma ferrovia particular por parte de outro empresário chinês havia fracassado.
O objetivo de Chen era construir a ferrovia primeiro da cidade de Taishan até Jiangmen, ao norte, onde os passageiros poderiam ir de barco a Hong Kong. A ideia era de que ferrovia iria se estender ao sul, até a área costeira da região de Taishan, conectando-se a uma vasta rede de transporte entre o Sudeste Asiático e a Europa.
Chen e outros taishaneses embarcaram em uma campanha internacional que arrecadou 2,7 milhões de dólares para o primeiro estágio do projeto, afirmou Hsu. Dois terços do dinheiro vieram de sino-americanos.
A construção começou em torno de 1906. As autoridades apresentaram problemas, assim como os aldeões. Isso forçou o caminho da ferrovia a dar muitas voltas. Um grande problema geográfico era o Rio Niuwan. Chen precisou comprar um navio em Hong Kong que pudesse atravessar os vagões pelo rio.
O primeiro trecho ficou pronto em 1909 e ia de Doushan, no sul, até Gongyi, no extremo norte de Taishan. A segunda parte, de Gongyi a Jiangmen, ficou pronta dois anos depois. Em 1917, Chen acrescentou uma linha entre a cidade de Taishan e Baisha. Ao todo, a ferrovia tinha 137 quilômetros de extensão.
A ferrovia sofreu problemas financeiros que iam dos altos custos operacionais, às extorsões constantes por parte das autoridades. E não havia muito mercado para o transporte de produtos manufaturados na região de Taishan, já que essa não era uma área industrializada.
Sun Yat-sen, o fundador da República da China, viu potencial no plano de Chen e permitiu que ele construísse um porto em Tonggu, para que fosse um dos pontos finais da rede de transporte. Porém, com a corrupção excessiva, nada disso veio a acontecer e Chen morreu em 1928, sem realizar seu sonho.
- Em qualquer sociedade normal, essa ferrovia teria se transformado em um lucrativo centro de negócios, mas o sonho de Chen foi esmagado pelo caos instalado na China - afirmou Liu.
Depois que os japoneses conquistaram Guangzhou em outubro de 1938, as autoridades chinesas ordenaram que a ferrovia fosse desmontada para que os japoneses não pudessem utilizá-la. Uma senhora que mora na região se lembra de ter recebido muitos sacos de arroz como pagamento para ajudar a desmontá-la.
A glória sobrevive nas memórias, que gradualmente desaparecem. Chen Huajia, de 84, se lembra de viajar quando era menino no trem com o pai, que o levou de San He à cidade de Taishan para fazer compras para o restaurante. Ele também se lembra das outras utilidades da ferrovia.
- Quando os japoneses começaram o bombardeio aéreo, havia um momento em que as explosões se aproximavam e nós corríamos e nos escondíamos em baixo da ponte da ferrovia, nos arredores da cidade de Taishan. Era muito assustador, porque as explosões eram muito altas: era possível ouvir as bombas e os tiros de metralhadora - relatou ele.