O dinheiro foi entregue em grandes sacos contendo US$ 15 milhões em notas de 100; sacos tão pesados que o funcionário público precisou de ajuda para carregá-los.
James Ibori, o governador de um estado rico em petróleo no sul da Nigéria, estava tão desesperado para escapar do processo que iria julgá-lo por corrupção, que tentou pagar o funcionário público, Nuhu Ribadu, comissário anticorrupção da Nigéria. Ribadu aceitou o dinheiro, mas tudo não passou de uma cilada.
Um ex-policial de óculos com o estilo pragmático de um funcionário do governo, Ribadu não ficou com o dinheiro, um ato impressionante em um país onde a corrupção é generalizada. Ao invés disso, ele o depositou em um cofre do governo, transformando-o em prova de um dos muitos crimes de Ibori e em 2007 o governador foi preso. Por fim, as acusações não ganharam força e o governador foi absolvido por um tribunal nigeriano. Entretanto, ele foi condenado por lavagem de dinheiro e conspiração por fraudes na Inglaterra, onde havia guardado uma parcela considerável das centenas de milhões de dólares em dinheiro advindos do petróleo que ele parecia ter desviado.
O resultado desse caso é, sob muitos aspectos, simbólico da carreira de Ribadu no combate à corrupção na Nigéria, um país que Colin L. Powell chamou certa vez de uma nação de "vigaristas maravilhosos": uma sequência de vitórias parciais no que parece ser um mal imbatível.
Atualmente, Ribadu fica em casa em uma vila de funcionários públicos dessa capital com casas pré-fabricadas dos anos 1980, refletindo sobre quais serão seus próximos passos.
Aos 53 anos de idade, sua atuação foi celebrada dentro e fora da Nigéria durante os cinco anos que atuou como chefe da unidade anticorrupção do governo nacional, começando em 2003.
Durante esse período ele transformou a unidade, chamada de Comissão de Crimes Financeiros e Econômicos, na maior agência anticorrupção da Nigéria, com mais de 1.200 funcionários em seis escritórios em todo o país. Em 2005, ele processou e condenou Tafa Balogun, um inspetor geral da polícia que havia abandonado o cargo. Balogun se declarou culpado por sonegação e impostos. Ribadu prendeu Ibori, o ex-governador do estado de Delta, em dezembro de 2007. Além disso, ele processou 10 figuras públicas de destaque nacional, incluindo nove governadores.
Sua reputação só ganhou notoriedade depois que foi forçado a deixar o cargo em 2008 e se exilar após ter sido alvo de tentativas de assassinato, depois de tentar processar uma série de políticos corruptos. Ele foi recebido como membro visitante do Centro de Desenvolvimento Global em Washington, e como membro sênior do Saint Anthony's College, em Oxford.
Ele voltou à Nigéria para concorrer à presidência em 2011, mas ficou longe de ganhar e, desde então, teve dificuldades para encontrar um espaço na vida pública nigeriana. Ele continua a investigar a corrupção, mas em uma plataforma de menor destaque. Seu relatório apontando grandes esquemas de corrupção e desperdício no setor petrolífero do país, publicado no ano passado, foi ignorado pelo governo que o contratou.
- Essa foi uma das minhas maiores frustrações - , afirmou durante uma entrevista na cidade.
Ainda assim, ele continua a ser uma figura especial, famosa na oposição política e frequentemente apresentado como futuro candidato à presidência.
- Para a maioria das pessoas, ele é um cruzado audacioso na luta contra a corrupção. Quanto aos elementos corruptos que compõem a classe política, eles o temem - , afirmou Femi Falana, um importante advogado de direitos humanos da Nigéria.
Desde a saída abrupta de Ribadu como chefe da agência anticorrupção, "existe um sentimento de que a guerra contra a corrupção seja uma batalha perdida", afirmou Falana.
A luta contra a corrupção parece estar em férias no jardim da casa de Ribadu.
- A maioria das pessoas que você encontrará vão querer 'comprá-lo' - , afirmou Ribadu com sua fala mansa, no jardim de sua casa, usando o termo nigeriano para suborno. - Até meu último dia de trabalho as pessoas estavam tentando me subornar. Isso é chocante - .
Ribadu começou sua carreira como policial de rua em alguns dos bairros mais perigosos de Lagos, subindo de cargo até se tornar o chefe da promotoria da polícia nigeriana. Ele fala com uma intensidade pungente, chegando a cerrar os punhos para dar ênfase a algum ponto. Ele foi criado no interior do norte da Nigéria, na cidade de Yola. Sua família era de muçulmanos devotos e um "refúgio contra a dor e a injustiça" que socorria leprosos perseguidos, escreveu em sua autobiografia.
Seu pai era membro do parlamento antes da independência, e depois se tornou ministro do primeiro governo da Nigéria. Ele não morreu na riqueza, um fato que Ribadu acredita servir de prova de sua integridade e um forte contraste em relação ao - valor obsceno do enriquecimento que sufocou a vida de nosso país - , conforme escreve em seu livro.
Porém, sua reputação não é completamente imaculada. Alguns críticos acusam sua equipe de processar apenas os inimigos do homem que o colocou no cargo, Olusegun Obasanjo, o presidente na época. De fato, antes das eleições nacionais de 2007, a equipe de Ribadu havia publicado uma lista com 135 candidatos "corruptos" que não deveriam ser autorizados a assumir cargos públicos. Nenhum dos aliados próximos de Obasanjo estava na lista, afirmou o grupo de direitos humanos. Outros críticos afirmam que a agência utilizou as terríveis prisões do país para obter confissões de acusados que queriam evitar julgamentos morosos e longas estadias em celas fétidas e superlotadas.
A Human Rights Watch, um grupo de defesa dos direitos humanos, afirmou em agosto de 2011 que o "legado de Ribadu foi maculado" por essas evidências.
Os críticos também apontam para seu legado modesto, ao final de seu mandato como chefe da comissão anticorrupção: apenas duas condenações.
Ainda assim, até mesmo os críticos afirmam que ele é um divisor de águas, demonstrando aos nigerianos que os poderosos podem ser derrubados, simplesmente porque roubaram grandes somas de dinheiro.
Esse foi - um momento profundamente relevante - , quando o principal oficial da polícia nigeriana, Balogun, chegou algemado ao tribunal em 2005 para responder sobre a origem de posses ilegais no valor de 150 milhões de dólares, segundo a Human Rights Watch, em um relatório publicado em 2011 que criticava o histórico de Ribadu.
Esse feito, bem como a condenação subsequente de outro governador de um estado produtor de petróleo pelo roubo de 55 milhões de dólares - e anistiado pelo atual presidente, Goodluck Jonathan - contribuiu para aumentar a reputação de incorruptibilidade de Ribadu.
Ele continua a ser uma figura rara na vida pública nigeriana: um homem público cuja reputação de probidade permanece relativamente intacta. Ninguém com alguma credibilidade o acusou de roubar ou aceitar suborno. Ele tem galinhas no quintal; seus seis filhos correm pelo terreno e assistem desenhos dentro de casa; e não há um esquema de segurança elaborado para protegê-lo - algo muito diferente dos cortejos que costumam acompanhar altos funcionário do governo da Nigéria.
Resta saber se a imagem de incorruptibilidade de Ribadu poderá alçá-lo a algum cargo político. Depois de anunciar que se candidataria a presidente com pompa e circunstância nas últimas eleições, Ribadu terminou o pleito em um terceiro lugar muito atrás. A corrida recomeça na Nigéria para as eleições presidenciais de 2015, um jogo arriscado no qual bilhões de dólares circulam nessa nação petrolífera, e Ribadu não descarta uma nova candidatura.
As chances estão contra ele: o partido governista, Partido Democrático do Povo, ou PDP, que tem oceanos de dinheiro e uma rede de governadores influentes, compete contra Ribadu, que não tem muito a seu favor a não ser algumas notícias e uma porção de apoiadores da boa governança ao seu lado.
Porém, Ribadu está convencido de que seu momento vai chegar. Sete governadores do partido governistas deixaram os cargos recentemente para formar um grupo opositor. O partido de Jonathan enfrenta diversos problemas, como uma rebelião islamista no norte e uma queda potencial no faturamento com o petróleo, uma vez que os EUA, o maior consumidor de petróleo da Nigéria, cortou pela metade as importações do país entre 2011 e a primeira metade de 2012.
A debandada abalou significativamente o governo de Jonathan.
- Foi uma implosão do partido governista que está no poder há 15 anos, promovendo a corrupção, o egoísmo e a incompetência - , afirmou Ribadu, curvando-se em direção a seu jardim. - Chegou a um ponto em que aquilo se parece com um grupo de gângsteres - .
Corrupção
Ícone na luta contra a corrupção, funcionário público conquista status de reputação na Nigéria
Ex-comissário anticorrupção na Nigéria, Nuhu Ribadu deixou o cargo em 2008 após ser alvo de tentativa de homicídio
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