Há quem diga que, para aprender uma nova língua, basta sair falando.
A máxima pode até ser verdadeira, mas não se aplica no caso de Thamsanqa Jantjie, que enganou dezenas de milhares de pessoas com um arremedo de linguagem de sinais na cerimônia em homenagem a Nelson Mandela, na terça-feira.
O governo da África do Sul afirmou ontem que cometeu um erro ao selecionar o intérprete da linguagem de sinais.
Segundo a vice-ministra das Mulheres, Crianças e Deficientes, Hendrietta Bogopane-Zulu, o governo investiga por que o tradutor foi credenciado pelos organizadores e afirmou que os representantes da empresa que forneceu o serviço desapareceram após a cerimônia:
- Nós tentamos entrar em contato com eles para conseguir alguma resposta, mas eles sumiram no ar. Eles forneceram esse serviço por muitos anos, mas começaram a nos enganar.
Em entrevista coletiva, Hendrietta defendeu o tradutor e afirmou que a dificuldade dele pode ter ocorrido em razão da variedade de dialetos usados pelos sul-africanos. O país não possui uma linguagem de sinais padrão. O intérprete falava o dialeto xhosa, o mesmo de Mandela, apesar de ser fluente em inglês.
A representante do governo também confirmou que ele frequentou uma escola para aprender a linguagem de sinais, embora não seja um tradutor profissional.
- Perdeu a concentração. O inglês foi demais para ele - afirmou a ministra - Se sentiu aflito. Cometeu um erro? Sim.
Intérprete alega ter ouvido vozes durante a cerimônia
A ministra nega que tenha colocado as autoridades em risco ao ter selecionado o tradutor e que o governo vai investigar por que foi concedida a autorização. Ela pediu desculpas aos deficientes auditivos, mas afirma que não há razão para o país se sentir envergonhado.
Em entrevista ao jornal sul-africano The Star, o "intérprete" Thamsanqa Jantjie disse que sofre de esquizofrenia e que ouviu alucinações durante a o memorial:
- Eu estava sozinho numa situação muito perigosa. Tentei me controlar e não revelar ao mundo a situação pela qual eu passava. Sinto muito, foi a situação em que me encontrei.
O Instituto de Tradutores da África do Sul afirma que não é a primeira vez que há reclamações sobre o trabalho de Jantjie. Diversos deficientes auditivos tiveram dificuldades de compreender a interpretação dos discursos feita durante a conferência do Congresso Nacional Africano, no ano passado.
As provas da farsa
Entenda o que houve de errado na falsa interpretação de Jantjie
Expressão facial
- A linguagem de sinais tem a expressão facial como parte da gramática, para sinalizar afirmação, interrogação e negação. O falso intérprete, por sua vez, manteve-se impassível.
Padrão de lábios
- O intérprete normalmente enuncia as palavras ao interpretar, para acompanhar os gestos. Durante os discursos, Jantije manteve a boca fechada.
Gestual repetitivo
- As linguagens de sinais ao redor do mundo compartilham estrutura e padrão similares. A brasileira tem 46 configurações de mão. No entanto, o intérprete fazia apenas movimentos repetitivos sem sentido.
Expressão corporal
- Para falar de tempos verbais diferentes, além dos sinais indicativos, se posicionam as mãos mais para frente ou mais para trás. Obama falou de Mandela no passado em seu discurso... e as mãos do intérprete ficaram no mesmo lugar.