Mesmo para o padrão das modelos, as mulheres daqui, balançando sobre saltos na passarela de terra, eram extraordinariamente altas e esguias. No entanto, julgando pelos altíssimos habitantes do Sudão do Sul, elas não eram fora do comum na jovem capital do país.
Conforme o ensaio aqui na Bedouin Lodge prosseguia, Akuja de Garang, organizadora do evento, estava menos preocupada com suas belezas régias do que com um dos homens em seu desfile. - Aquele é meu modelo, está vendo? O de laranja - disse ela, apontando em direção ao homem de corpo definido.
A dúvida era se ele estaria disposto a aparecer, na frente de uma plateia de centenas de pessoas, sem camisa, apenas com um colete de miçangas tradicional dos dinka.
- Ele tem coragem de fazer isso? - perguntou Garang.
Até este ponto, o item fashion mais famoso do Sudão do Sul, provavelmente, tem sido a predileção do Presidente Salva Kiir Mayardit por chapéus de caubói pretos. Adornos de beleza são extremamente populares por aqui, assim como lutar, tanto no torneio atlético sério quanto com seus primos americanos exagerados, como a WWE (World Wrestling Entertainment).
Porém, apesar do sucesso da modelo mais famosa do país, Alek Wek, as imagens mais comuns do Sudão do Sul ainda são de rebeldes armados ou de crianças mal nutridas, as características visuais da série de conflitos que assola o território durante décadas.
Com seu Festival de Moda e Arte pela Paz, agora em sua segunda edição, Garang, de 38 anos, está tentando mudar não só a percepção estrangeira mas, também, o modo como as pessoas daqui veem uns aos outros e a si mesmos, especialmente em um país abalado pela tensão inter-étnica e a violência.
- Ainda há problemas. Em parte, é porque nós não temos um senso da identidade comum como sul-sudaneses. Ficamos separados durante muito tempo. O que ouvimos uns sobre os outros são só estereótipos - disse Garang, usando calças listradas, uma camisa de brim e uma pulseira feita a partir de uma concha reciclada.
O desfile de moda em agosto foi parte de um evento que atraiu sul-sudaneses do país todo, muitos foram até a capital em aviões da ONU, incluindo bateristas e dançarinos, cantores e rappers, assim como uma exibição de artesanato.
- O Sudão do Sul esteve em guerra durante um longo período. As tradições que são passadas de geração para geração podem ter se perdido na luta pela sobrevivência e durante a migração - disse Ellen Lekka, especialista em cultura da UNESCO, patrocinadora do evento.
O desfile de moda é um pequeno projeto comparado com o trabalho da UNESCO para ajudar a montar um acervo nacional, cuja inauguração é esperada para 2015. O grupo também está trabalhando em um conceito para um novo museu que, idealmente, romperá o molde tradicional dos museus ocidentais. É parte de um esforço maior para estabelecer não apenas uma sede para o governo, mas uma capital para uma nova nação.
- Nós temos uma bandeira. Nós temos um nome para o país. Nós temos o hino nacional, itens simbólicos para uma unidade nacional. Todavia, precisamos ir além disso - disse Zacharia Diing Akol, diretor de treinamento no Instituto Sudd, organização independente de pesquisa.
A cada pequeno passo, o país engatinha mais para perto. Ano passado, atores da Companhia de Teatro do Sudão do Sul representaram o país no Festival Mundial de Shakespeare em Londres, apresentando "Cimbelino" em árabe de Juba. Em julho, o presidente nomeou o time de futebol do país como "Bright Star" já que ele derrotou, por 3 a 2, um time de jogadores de fora, no estádio de Juba.
Juba ainda tem ares de um lugar provinciano. Há poucas estradas pavimentadas, e a maioria das estradas de terra estão esburacadas com um circuito de motocross pela metade, com poças que poderiam se passar por lagoas quando chove. A cidade não tem o tipo de arquitetura colonial grandiosa que ainda se vê em muitas capitais africanas. contudo, aqueles que já conheciam Juba antes da sua independência do Sudão em 2011 veem um crescimento da cidade com construções, blocos de prédios, hotéis e até mesmo prédios comerciais com 10 andares aparecendo.
- Quando comparamos Juba à cidade que tínhamos antes de sermos chamados de Sudão do Sul, há uma enorme mudança - disse Davidica Ikai, presidente do Grupo Itwak para Mulheres, um dos grupos exibindo e vendendo seus produtos no festival.
Mer Ayang, uma cantora que participou do evento, disse esperar que o desenvolvimento na capital não se faça em detrimento do resto do país.
- Eu julgaria meu país em relação ao desenvolvimento de melhores escolas, hospitais, ruas e serviços públicos - disse ela.
O progresso não vem sem custo. Casas foram destruídas para a construção de compostos para expatriados, com água tratada trazida de caminhão do Nilo Branco e eletricidade fornecida por geradores constantemente fazendo barulho.
Há tensão entre os moradores nativos e os estrangeiros, evidente na recente proibição do transporte de passageiros estrangeiros na parte de trás de seus ubíquos "boda bodas", ou moto táxi. Muitos dos motociclistas vêm da vizinha Uganda.
Eva Logune, modelo sul-sudanesesa moradora da Malásia, disse que o evento de moda e arte foi uma chance de mostrar outro lado do país, para variar.
- Mesmo há cinco anos, tudo que se ouvia sobre Juba ou Sudão do Sul, era que as pessoas estavam passando muita fome, morrendo. Isso mostra que não somos apenas violência - disse Logune, que além de desfilar, recebeu a tarefa de ensinar outras mulheres como gingar na passarela.
Décadas de guerra civil criaram milhões de migrantes e refugiados, muitos vivendo nos países vizinhos Quênia ou Etiópia, ou na África do Sul, nos Estados Unidos e Canadá.
A própria Garang nasceu em Juba e, enquanto criança, se mudou para Cartum, capital do Sudão, depois que seu pai morreu. Quando ela tinha 18 anos, mudou-se com a mãe para o Cairo, onde ela precisou trabalhar como faxineira no começo. Por falar bem o inglês, ela conseguiu achar um emprego melhor como recepcionista, mas ela ainda lembra do racismo casual que ela enfrentava quando andava de ônibus no Egito.
Ela se mudou novamente, para a Grã-Bretanha, e, mais tarde, completou um mestrado na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. Ela voltou para onde era o Sudão do Sul bem antes do Acordo Compreensivo de Paz que traçava o curso da independência que foi assinado em janeiro de 2005.
Através de seu trabalho com a ONU e com organizações sem fins lucrativos, Garang viajou o país coletando tantos artefatos que ela transformou sua casa, segundo ela mesma, em uma minigaleria. Ela combinou o hobby de colecionar com seu interesse em moda para organizar o primeiro desfile de moda no ano passado, totalmente autofinanciado.
No desfile, as roupas deste ano, todas desenhadas por locais com exceção da linha de uma designer etíope, tendiam a misturar tecidos tradicionais africanos com cortes mais modernos. As modelos ainda não haviam desenvolvido a indiferença descolada de suas contrapartes em Paris ou Milão, e estavam tremendo atrás das cortinas ao som de "Starships" de Nicki Minaj enquanto esperavam para entrar.
Uma modelo com a cabeça raspada e um gingado bem solto ficou com os aplausos consistentemente mais altos. Mais altos até que apareceu o modelo de Garang, com seus ombros largos e peitoral descobertos, e com a cintura coberta apenas por miçangas laranja, amarelo e azul vivo, para olhares surpresos dos homens e aplausos enlouquecidos das mulheres.
- É algo que eu sinto a necessidade de fazer. Até agora, parece que as pessoas têm gostado - disse Garang.