Nos piores dias, o fedor tóxico levado pelo vento à Escola Primária Pública Ganda é quase sufocante. Os professores lutam para se concentrar, como se estivessem se engasgando com o ar. Muitas vezes os alunos ficam enjoados e tontos. Alguns meninos desmaiaram em abril. Outro teve ânsia de vômito na sala de aula.
O cheiro vem do canal poluído atrás do prédio escolar, onde fábricas vizinhas despejam a água servida. Em sua maioria, são confecções, fábricas têxteis e unidades de tingimento da cadeia de abastecimento que exporta roupa para a Europa e os Estados Unidos. Os estudantes descobrem as cores da moda ao olhar para o canal.
- Às vezes é vermelho. Ou cinza. Pode ser azul. Depende das cores usadas nas fábricas - disse Tamanna Afrous, que leciona inglês na escola.
Faz uns três meses, o prédio da fábrica Rana Plaza ruiu, matando mais de 1.100 pessoas, em um desastre que expôs os riscos da fórmula de baixo custo que fez de Bangladesh o segundo maior exportador de roupas do mundo, atrás somente da China, e opção favorita de empresas como Wal-Mart, J.C. Penney e H&M. A fórmula depende de pagar o menor salário do mundo e, em algumas fábricas, gastar o mínimo em segurança e condições de trabalho.
Contudo, tal procedimento também costuma envolver o desrespeito às normais ambientais. O segmento têxtil e de confecção de Bangladesh contribuiu de forma decisiva para o que especialistas descrevem como um desastre da poluição da água, principalmente em grandes áreas industriais de Dacca, a capital. Muitos arrozais estão inundados com água servida tóxica. Os peixes estão morrendo. E muitos riachos estão sendo aterrados com areia e lixo, enquanto incorporadoras imobiliárias vendem terrenos para fábricas ou habitação.
O dano ambiental costuma seguir a industrialização acelerada nos países em desenvolvimento. Porém, Bangladesh já é um dos lugares mais frágeis em termos ambientais do mundo, sendo densamente povoado ao mesmo tempo em que é envolto por uma trança de rios, com um labirinto de brejos baixos ligados à Baía de Bengala. Enquanto a poluição ameaça a agricultura e a saúde pública, Bangladesh é vulnerável ao extremo à mudança climática, enquanto o nível do mar e a alteração dos padrões do tempo poderiam desalojar milhões de pessoas, reduzindo acentuadamente as colheitas.
Aqui em Savar, subúrbio industrial de Dacca e endereço do prédio desmoronado da Rana Plaza, algumas fábricas tratam a água servida, mas várias não contam com estações de tratamento ou preferem não utilizá-las para economizar nos custos de energia. Diversos canais ou brejos de Savar se tornaram lagoas de retenção de dejetos industriais não tratados.
- Olha, não é apenas em Savar. O país inteiro sofre com a poluição. Em Savar, temos muitos coqueiros que não produzem mais. A poluição industrial está afetando a reserva de peixes, a produção de frutas, os hortifrútis - disse Mohammed Abdul Kader, prefeito da cidade desde que o antecessor foi afastado após o desastre com o Rana Plana.
Bangladesh tem leis para proteger a ecologia, ministro do ambiente e novos tribunais especiais para cuidar dos casos na área. Todavia, conforme asseguram os peritos, a poluição está crescendo, não caindo, em grande medida por causa do poder político e econômico do setor.
Curtumes e laboratórios farmacêuticos também fazem parte do problema, mas o segmento têxtil e de confecção, esteio da economia e fonte crucial de empregos, tem a influência maior. Quando o ministro do ambiente indicou um burocrata tenaz e inflexível que multava as fábricas têxteis e de tingimento, as queixas dos proprietários terminaram forçando sua transferência.
- Ninguém no país, pelo menos não em nível governamental, pensa em desenvolvimento sustentável. Todos os recursos naturais foram degradados e exauridos severamente - disse Rizwana Hasan, famoso advogado ambiental.
A cerca de três quilômetros do Rana Plaza, a escola primária Ganda conta com um corpo discente composto principalmente pelos filhos de operários do setor de confecção. Golam Rabbi, 11 anos, o melhor aluno da terceira série, mora com a mãe e dois irmãos menores em um único cômodo. Os meninos usam etiquetas de preço catadas no chão da fábrica para brincar de jogar baralho.
- A escola sempre cheira mal. Às vezes não dá nem para comer lá. Alguns alunos estão adoecendo. Às vezes minha cabeça gira. É difícil se concentrar - disse Golam.
A família ainda luta para se recuperar do desmoronamento do Rana Plaza. O pai, vigilante, foi morto no desastre, e a mãe está tentando sustentar os filhos e manter os dois mais velhos na escola. O pai abandonou a escola para trabalhar - a exemplo da mãe - e os dois acreditavam que a educação poderia dar uma vida melhor aos filhos.
- Seu principal objetivo era fazer os filhos estudarem - disse a mãe Golam, Hasina Begum, a respeito do falecido marido.
Entretanto, a poluição complicou tudo. Golam já desmaiou por conta do fedor.
- Ele já contou várias vezes que não quer estudar na escola. Quando faz muito calor, e o vento carrega o cheiro ruim, ele não consegue respirar direito. Eu tentei tranquilizá-lo, dizendo que as pessoas estão fazendo reuniões. Não sei por que a poluição continua, por que não conseguem detê-la.
As fábricas cercam a escola. Em um raio de 300 metros, existem duas confecções, duas tinturarias, uma fábrica de tecidos, uma olaria e um laboratório farmacêutico. Pelo menos dez unidades de tingimento podem ser encontradas em uma extensão um pouco maior. Uma tubulação de drenagem subterrânea despeja as águas servidas no canal atrás da escola.
Mohammed Abdul Ali, diretor da escola, disse ter falado com os donos das fábricas, bem como com as autoridades de Savar, tentando remover a tubulação. As mães dos alunos, incluindo a de Golam, têm realizado reuniões e manifestações. Ambientalistas locais também fizeram campanha.
- Os proprietários nunca levaram nossos apelos a sério. Tudo continua como sempre. Eles têm um bom relacionamento com os políticos. É por isso que não dão a mínima - afirmou Ali.
O prefeito interino de Savar, Kader, declarou haver limites à sua atuação.
- É preciso compreender a realidade de Bangladesh. As pessoas que montam indústrias e fábricas por aqui são muito mais poderosas do que eu. Quando um ministro do governo me liga e diz para autorizar uma fábrica em Savar, eu não posso recusar.
Para as marcas globais que compram roupas das fábricas bengalis, a poluição raramente chama tanta atenção quanto as condições de trabalho ou a segurança contra incêndio. A H&M patrocinou programas ecológicos, mas os ambientalistas dizem que os compradores globais pouco fizeram até agora.
- Os compradores compreendem totalmente as condições de Bangladesh e se aproveitam disso - garantiu Hasan, o advogado ambientalista.