Já passava da meia noite quando Mahmoud Hifny finalmente perdeu a paciência.
Ele havia passado um sufoco no trânsito quando o indicador do combustível entrou na reserva e Hifny finalmente se juntou a uma fila longa que levava até um dos poucos postos de gasolina que ainda tinha combustível. Duas horas depois, ele ainda estava esperando, em meio a um mar de carros cujos motoristas também já haviam perdido horas na espera por combustível.
- Nós vamos nos livrar desses desgraçados! Eles são os responsáveis pelos problemas desse país! - berrou Hifny, de 42 anos, sem dar nome aos bois, embora todos soubessem que ele falava do presidente Mohamed Morsi e de seus aliados. Os motoristas próximos concordavam com a cabeça.
Uma confluência poderosa de crises está tomando o Egito à medida que as temperaturas de verão fustigam a população, aquecendo os ânimos e aumentando a raiva contra muitos dos líderes do país.
Os problemas econômicos crescem à medida que se aproxima o Ramadã, a época mais cara do ano para os muçulmanos, que jejuam de dia e fazem banquetes à noite. Para aumentar a tensão, o governo não diminuiu os cortes frequentes na distribuição de energia e uma crise cada vez maior no fornecimento de combustíveis levou muitas filas de carros a fecharem as principais vias da cidade por horas.
Por trás desse descontentamento, há um pressentimento muito ruim de que a derrubada de Morsi possa gerar uma nova onda de violência nas ruas, ou aumentar ainda mais a instabilidade política do país.
- Entre as pessoas, há muita tensão com relação ao que está acontecendo. É como ver gasolina perto de um incêndio, sem saber se que o fogo irá se alastrar - afirmou Mohammed Ali, diretor de cinema que acelerou as filmagens por conta dos protestos.
Muitas famílias estão fazendo as compras do Ramadã mais cedo, para o caso das lojas ficarem fechadas, ao passo que outras estão se apressando para terminar projetos, temendo que não consigam outra chance, caso os protestos recomecem. Os egípcios já se acostumaram com os impedimentos causados pelos protestos em massa e, por isso, sabem como se preparar.
- Não se trata do que vai acontecer durante esses três dias. Trata-se do que pode acontecer depois desses três dias. Ninguém tem ideia - afirmou Ali.
Esse senso de descontentamento podia ser sentido há poucas noites, nos arredores de um posto de gasolina em frente à Praça Galaa, em Dokki, um bairro no centro de Cairo.
A praça, cujo nome é uma homenagem ao fim da ocupação britânica após a revolução de 1952, foi transformada pela crise do gás, à medida que centenas de carros, ônibus, caminhões e motocicletas que não encontraram outro lugar para abastecer passaram a encher cada centímetro de asfalto próximo ao posto de gasolina, formando filas terrivelmente longas que se estendiam até as ruas vizinhas, atrapalhando o tráfego.
A polícia ergueu barreiras para separar as filas das vias trafegáveis e, em alguns momentos, intervieram para impedir que pessoas cortassem a fila ou se agredissem. Recentemente, um homem foi morto a tiros em uma fila de carros em outro ponto do Cairo.
Os motoristas passavam o tempo conversando ou discutindo com os vizinhos, tirando sonecas e jogando nos celulares. Uma senhora fazia bons negócios vendendo jornais.
- Tentamos rir do que está acontecendo, o que mais podemos fazer? Mas na verdade, estamos bem cansados disso tudo - afirmou Khalid Shaaban, de 35 anos, enquanto aumentava o volume da música batia palmas e acompanhava o ritmo com a esposa, a irmã e os três filhos.
Dois jovens desempregados estavam sentados em um carro próximo, um deles apoiava parcialmente o presidente e seus aliados da Irmandade Muçulmana.
- São gente boa e temente a Deus, mas não têm as políticas certas para governar o país - afirmou Ashraf al-Adawi, de 27 anos, acrescentando que não protestaria com medo da instabilidade.
- Se o país já caiu 90 por cento, agora vai cair 100 por cento se derrubarmos o presidente. Caso Morsi deixe o poder, quem virá depois? Não há ninguém de quem o povo gosta - afirmou Adawi.
A maioria dos motoristas não tinha ideia do que causou a crise, embora muitos criassem teorias de conspiração. Alguns acusavam os inimigos de Morsi de interferirem na cadeia de suprimento para ganhar o apoio dos manifestantes. Outros sugeriam que o presidente havia limitado a distribuição para que manifestantes potenciais ficassem isolados.
O governo havia feito pouco para esclarecer a situação e diversos ministros afirmaram em uma coletiva de imprensa que a paranoia causada pela mídia, o mercado negro e os próprios egípcios eram os culpados pela crise.
O ministro do petróleo, Sherif Haddara, minimizou a extensão da falta de petróleo, afirmando que a introdução de um novo sistema de cartões por parte do governo impediria a venda ilegal de combustíveis que havia atrapalhado a distribuição. Porém, poucas pessoas acreditam que esses sejam os verdadeiros motivos por trás das filas e das bombas vazias.
Com relação aos cortes de energia frequentes, o ministro de desenvolvimento local, Mohammed Ali Beshr, sugeriu que os egípcios seguissem o exemplo do primeiro-ministro Hesham Qandil, que trabalha no calor.
- Nós suamos no escritório dele. Ele tira a gravata e nunca concorda em ligar o ar - afirmou Beshr, fazendo o tipo de comentário que dificilmente acalmaria os nervos.
Em um grande discurso, Morsi reconheceu a crise dos combustíveis e afirmou que estava dando poder aos ministros e governadores para acabar com a venda ilegal e acabar com aqueles que estão se beneficiando com a crise.
Porém, ideologia e política têm pouco espaço nas filas por gasolina, à medida que os ânimos se exaltavam no mormaço da noite. Parece que a amnésia tomava conta de muitos, que diziam que os militares deveriam tomar conta do país, como era o caso antes da saída de Mubarak, ao menos até que a estabilidade voltasse. Os militares estiveram à frente do Egito por um ano antes da eleição de Morsi, um período que não foi exatamente tranquilo.
- Se Deus quiser, Morsi vai cair e os militares vão tomar o controle - afirmou Hani Abdel-Fattah, de 35 anos, que veio ao Cairo de Port Said e precisava de gasolina para voltar para casa.
Ele também estava nervoso com o que os protestos poderiam causar.
- O dia está chegando e há quem queira e quem não queira que Morsi seja o presidente. Ninguém sabe quem está certo - afirmou.