A sala de aula de Ghalanai, uma área escondida entre as montanhas do cinturão tribal do Paquistão, tem o ar de um campo militar: uma tenda solitária erguida ao lado de um prédio bombardeado, cercada por um muro alto e protegida por um soldado armado.
- Os pais precisam sentir que o local é seguro - afirmou Noor Haider, líder tribal local, que passou a fazer a segurança da escola depois que militantes talibãs bombardearam a escola três anos atrás.
Medidas extremas se tornaram necessárias desde que os militantes talibãs deram início a uma campanha violenta contra a educação feminina no nordeste do Paquistão, bombardeando escolas e aterrorizando alunas e pais.
Mais de 800 escolas da região foram atacadas desde 2009, de acordo com as autoridades educacionais do governo. Porém, foi um ataque violento cometido em outubro contra Malala Yousufzai, uma jovem de 15 anos que não tinha papas na língua, que trouxe o assunto ao cenário internacional.
Um atirador talibã alvejou Yousufzai na cabeça em uma tentativa de silenciar sua defesa eloquente dos direitos à educação em Swat, um vale montanhoso pitoresco que foi palco de batalhas ferozes entre o Talibã e os militares.
Depois de uma viagem de emergência para a Inglaterra, onde cirurgiões de guerra repararam o crânio de Yousufzai, a jovem apresentou uma recuperação impressionante. Em março ela voltou à escola na Inglaterra e, em julho, comemorou o aniversário de 16 anos com uma fala na durante a Assembleia da Juventude das Nações Unidas, na sede da ONU em Nova York.
O discurso foi a primeira aparição pública sem mediação da jovem que se tornou um símbolo internacional da luta juvenil e do ativismo educacional. Yousufzai recebeu inúmeras honrarias e foi indicada para receber o Nobel da Paz. Novidades sobre seus progressos são acompanhadas de perto em todo o planeta.
Entretanto, no Paquistão a guerra do Paquistão contra a educação feminina segue firme.
Ghalanai é a sede do Mohmand, uma agência tribal local na fronteira afegã, onde as escolas foram alvo de mais de 100 ataques. Postos avançados militares pontuam as montanhas, observando aquela terra estéril. Uma mulher-bomba quase matou o líder do partido religioso da região este ano.
O Talibã paquistanês vê as escolas como símbolos da decadência ocidental e da autoridade governamental, mas seus ataques também têm o objetivo de negar aos militares paquistaneses a possibilidade de estabelecer bases temporárias nos prédios. Geralmente eles atacam durante a madrugada, plantando explosivos que derrubam prédios, estilhaçam lousas e carteiras.
As autoridades tiveram dificuldade para reagir. Na Escola Feminina Primária do Governo, Haider construiu a tenda com ajuda das Nações Unidas. O governo, por sua vez, fez muito pouco para ajudar.
Além disso, o Talibã continua a pressionar pais e alunas. Panfletos colados durante a noite nas cidades descrevem a educação feminina como um "produto do ocidente", ordenando muçulmanos fiéis a evitarem as escolas.
A situação de sítio levou muitas meninas corajosas a seguirem o exemplo de Yousufzai, contrariando os éditos talibãs. Esse é o caso do Shabqadar, na beira do Mohmand, para onde o Talibã decidiu enviar uma mensagem violenta em dezembro.
Hira Gul, uma estudante de 14 anos, foi acordada com uma explosão no meio da noite. Na manhã seguinte ela viu uma pilha de destroços onde sua escola costumava ficar. O ataque não foi uma surpresa.
- Isso está se tornando muito comum na região - afirmou.
Porém, sua professora ficou profundamente abalada. Durante dias após o ataque a professora, Fazeelat Bibi, visitou a escola destruída todas as manhãs "para chorar de desgosto", contou.
Ela retomou as aulas no quintal de casa. Porém o número de alunas caiu 75 por cento e Bibi passou a usar a burca para trabalhar, evitando chamar a atenção do Talibã.
- Dar aulas nunca foi fácil - afirmou Bibi.
Ela destacou que a mentalidade conservadora prevaleceu, determinando que a educação é algo exclusivo para os meninos.
Agora é o medo e o extremismo crescente que levam os pais a manterem as filhas em casa - ela acrescentou.
Os ataques contra escolas são feitos em sua maior parte pelo Talibã paquistanês, que vê a educação feminina como anti-islâmica. O grupo foi rejeitado internacionalmente depois de assumir com orgulho o ataque contra Yousufzai - uma afirmação que, ao menos por algum tempo, ajudou a voltar a opinião pública paquistanesa contra o movimento.
Em Swat, localizada a cerca de 80 quilômetros a leste de Mohmand, no interior da região montanhosa, alguns integrantes das tribos da região veem Yousufzai como uma heroína adolescente que lutou contra o Talibã quando tantas pessoas vacilaram. Apesar das ameaças contínuas, a escola para meninas que ela frequentava - dirigida por seu pai - continua aberta e funcionando com força total.
- Não esperávamos que as alunas voltassem, mas elas não desistiram - afirmou o administrador da escola, Iqbal Khan.
Enquanto isso, Yousufzai voltou a estudar na Escola para Moças de Edgbaston, em Birmingham, na Inglaterra. Outra adolescente atacada em outubro acaba de chegar à Inglaterra para se juntar a ela.
- Eles não vão me parar. Serei educada, seja em casa, na escola ou em qualquer outro lugar - escreveu Yousufzai recentemente em sua página no Facebook.
Porém, a luta de Yousufzai também gerou reações contrárias dentro de sua própria comunidade, indo da inveja à suspeita, passando pelo medo puro e simples. Uma tentativa de rebatizar a escola em homenagem a ela foi mal sucedida depois que estudantes protestaram que ao associá-las com Yousufzai, elas se tornariam alvos fáceis.
No bazaar, algumas pessoas demonstravam ressentimento em relação à atenção global dedicada a Yousufzai. Algumas pessoas reclamam que ela ignorou a coragem de outras jovens. Outros falam entredentes sobre conspirações de intervenção ocidental.
Alguns postam ataques diretos na página de Yousufzai no Facebook, ao lado da homenagem a sua campanha, referindo-se a ela como "kanjri" - palavra Urdu que significa prostituta - ou acusando-a de ser uma "agente americana".
- Muita gente acredita que esse drama foi fabricado. Além disso, muitas pessoas falaram contra os militantes ou sacrificaram suas vidas. Por que foram esquecidos? - afirmou Ihsanullah Khan, de 35 anos, professor universitário na principal cidade da região de Swat, Mingora.
Entretanto, da mesma forma a guerra do Talibã contra a educação fortaleceu a decisão dos líderes paquistaneses cuja única escolha é a batalha contra as ordens culturais e religiosas dos militantes.
Haider, o líder tribal de Ghalanai, afirmou que o Talibã sequestrou recentemente um de seus parentes porque ele permitiu que as forças de segurança pegassem água nos poços de sua propriedade familiar.
Desde as eleições, a província de Khyber Pakhtunkhwa, no cinturão tribal, passou a ser governada pelo partido de Imran Khan, político carismático que tem fama de pegar leve com o Talibã, embora tenha aumentado o orçamento da educação provincial em 30 por cento.
Ainda assim, a decisão de desafiar ou não o édito do Talibã contra a educação feminina frequentemente cabe às famílias. A maior resistência parte de pais amedrontados, afirmou Bibi, a professora de Shabqadar.
- Eles afirmam que não querem que suas filhas se tornem a próxima Malala - afirmou.