Mesmo os cientistas estão perplexos pela forma como Holly, uma gata de pelagem escama de tartaruga que se perdeu de Jacob e Bonnie Richter no início de novembro em um rally recreativo em Daytona Beach, Flórida, apareceu na noite de ano novo - cambaleando, fraca e magra - em um quintal a cerca de um quilômetro da casa dos Richter em West Palm Beach, Flórida.
- Você tem certeza de que é o mesmo gato? - indagou John Bradshaw, diretor do Instituto de antrozoologia da Universidade de Bristol, na Inglaterra. Em outros casos, ele já conjeturou - É só um outro gato perdido, e as pessoas têm um tipo de justificação mental para acreditar que seja o mesmo gato.
Mas Holly não apenas tinha um padrão de arlequim em sua pelagem, mas também um microchip implantado para identificá-la.
- Eu realmente acredito nessas histórias, mas elas são difíceis de explicar - disse Marc Bekoff, ecologista comportamental da Universidade do Colorado - Talvez sendo sagaz nas ruas, talvez lendo pistas de animais, talvez sendo capaz de identificar carros, talvez sendo um bom caçador. Eu não tenho dados para essa situação.
Há, na verdade, poucos dogmas científicos sobre a orientação dos gatos. Animais migratórios como pássaros, tartarugas e insetos têm sido estudados mais profundamente, e usam campos magnéticos, pistas olfativas ou orientação pelo sol.
Os cientistas dizem que é mais comum, embora ainda raro, ouvir sobre cachorros voltando para casa, talvez sugerindo, segundo Bradshaw, que eles tenham herdado a habilidade dos lobos de se orientar usando pistas magnéticas. Mas também seja possível que os cães sejam levados em mais viagens de família, e que os cachorros perdidos sejam mais facilmente notados ou ajudados por pessoas durante a jornada.
Gatos se orientam bem em lugares familiares, memorizando locais pela vista e pelo cheiro, e facilmente achando atalhos, explicou Bradshaw.
Lugares estranhos e afastados podem parecer um problema, embora ele e Patrick Bateson, um biólogo comportamental na Universidade de Cambridge, digam que os gatos podem sentir cheiros a longas distâncias.
- Digamos que eles associam o cheiro dos pinheiros com o vento vindo do norte, então eles se movem para uma direção mais ao sul - explicou Bateson.
Peter Borchelt, um comportamentalista, imaginou se Holly seguiu a costa da Flórida pela visão ou pela audição, acompanhando a rodovia Interstate 95, à direita, e o oceano, à esquerda.
- Ninguém vai fazer uma experiência e levar um monte de gatos para direções diferentes e ver qual deles volta para casa - disse ele.
A coisa mais próxima, diz Roger Tabor, biólogo de gatos britânico, pode ter sido um estudo na Alemanha em 1954, no qual gatos colocados em um labirinto circular coberto com saídas a cada 15 graus, saíam, mais frequentemente, na direção de suas casas. Eles o fizeram mais confiavelmente se suas casas estivessem a menos de 5 quilômetros de distâncias.
Uma nova pesquisa feita pela National Geographic e pelo Kitty Cams Project (Projeto Câmeras dos Gatinhos) da Universidade da Geórgia, usando filmagens de 55 bichinhos de estimação carregando filmadoras em suas coleiras, indica que o comportamento do gato é extremamente complexo.
Por exemplo, o estudo com as filmadoras mostraram que quatro dos gatos estavam traindo seus donos, visitando outras casas atrás de comida e carinho. Nem todo gato, pelo visto, compartilha a lealdade de Holly.
As câmeras Kitty também mostraram a maioria dos gatos se envolvendo em situações de risco, incluindo atravessar rodovias e comer e beber substâncias fora de casa, riscos que Holly indubitavelmente correu e parece ter tido sorte por ter sobrevivido.
Mas já houve outros gatos que fizeram voltas inesperadas.
- Na verdade, já aconteceu comigo - disse Jackson Galaxy, um comportamentalista de gatos que apresenta "Meu Gato Endiabrado" no canal a cabo Animal Planet. Enquanto morava em Boulder, Colorado, ele mudou-se para o outro lado da cidade, onde seu gato, Rabbi, fugiu e apareceu 10 dias depois na casa antiga, andando 8 quilômetros por uma área na qual ele nunca esteve antes, segundo Galaxy.
Tabor citou relatos de longa distância que ele considerou críveis: Murka, uma gata na Rússia, viajou 523 quilômetros até sua casa em Moscou, saindo da casa da mãe de sua dona em Voronezh em 1989. Ninja, que retornou para Farmington, Utah, em 1997, um ano depois de sua família ter se mudado de lá e ido para Mill Creek, Washington, e Howie, um persa caseiro da Austrália que, em 1978, fugiu da casa dos parentes de seus donos, onde eles o deixaram enquanto saíam de férias, e acabou viajando 1.609 quilômetros de volta para a casa de sua família.
Tabor também disse que um siamês na vila inglesa de Black Notley repetidas vezes subiu em um trem, desembarcou em White Notley e andou vários quilômetros de volta a Black Notley.
Ainda assim, explicar tais jornadas não é preto no branco.
No caso da Flórida, um vislumbre dos fatos - não muito claros - está nas patas da gata. Enquanto Bradshaw especula que Holly pode ter apanhado uma carona, talvez se escondendo embaixo de um caminhão que descia a rodovia interestadual I-95, suas patas sugerem que ela não veio de carona o caminho todo.
- As almofadinhas das patas dela estavam sangrando - disse Bonnie Richter - As garras estavam gastas de modo estranho. As da frente estavam bem afiadas, e as de trás, completamente gastas.
Os cientistas dizem que isso é consistente com uma longa caminhada, já que as patas de trás proporcionam propulsão, enquanto as garras da frente fazem atividades como rasgar. Os Richter também disseram que Holly passou de 6,2 para 3,2 kg.
Holly não parecia uma andarilha aventureira, embora seu passado tenha lhe dado uma vantagem genética. Sua mãe era uma gata selvagem que rondava o acampamento dos Richter, e Holly nasceu no ar-condicionado de alguém, disse Richter. Quando, com 6 semanas de idade, Holly usou as patinhas para entrar na garagem deles na noite de Natal e pulou no colo da mãe de Jacob Richter, havia cicatrizes em sua barriga de quando ligaram o ar-condicionado, disse Bonnie Richter.
Os cientistas dizem que tal experiência do início da vida poderia ser muito breve para explicar como Holly pode ter estado à vontade na natureza - afinal de contas, ela passou a maior parte da vida como gata caseira, exceto pelas corridas externas para caçar lagartos. Mas isso pode implicar em traços inatos de personalidade como resistência ou agilidade.
- Existem essas variações reais de temperamento - explicou Bekoff - Os peixes podem ser acanhados ou ousados. Parece que as aranhas também. No caso desta gata, ela poderia ter uma personalidade de sobrevivência.
Ele disse que ser um gato caseiro não extingue comportamentos de sobrevivência, como caçar um rato ou estar ciente da direção do sol.
Os Richter - Bonnie, 63 anos, enfermeira aposentada, e Jacob, 70 anos, supervisor de mecânica de aviões e excelente jogador de boliche - começaram a viajar com Holly apenas no ano passado, e ela tolerou com facilidade hotéis, cabines e o trailer.
Mas durante o Good Sam RV Rally em Daytona, quando eles acampavam perto da pista de corrida com outros 3 mil trailers, Holly fugiu quando a mãe de Bonnie Richter abriu a porta uma noite. Os fogos de artifício do dia seguinte podem tê-la afugentado para ainda mais longe, e, depois de procurar por dias, alertar as autoridades responsáveis pelos animais e colocar cartazes, os Richter voltaram para casa sem a gata.
Duas semanas depois, um resgatista de animais chamou os Richter para dizer que um gato muito parecido com Holly havia sido visto comendo atrás de um restaurante, onde os funcionários davam comida a gatos selvagens.
Então, na noite de ano novo, Barb Mazzola, assistente executiva em uma universidade, notou um gato "que mal parava em pé" no seu quintal em Palm Beach, com dificuldades até para miar. Durante seis dias, Mazzola e seus filhos cuidaram da gata, colocando comida no quintal, inclusive leite especial para gatos e, eventualmente, ela entrou em casa.
Eles a batizaram de Cosette em homenagem à órfã de "Les Miserables", e a levaram a uma veterinária, a Dra. Sara Beg na Paws2Help. Beg disse que a gata estava abaixo do peso e desidratada, tinha garras traseiras e almofadinhas das unhas desgastadas, provavelmente por causa de toda a caminhada nas ruas, mas estava "alegre e alerta" e não tinha parasitas ou vírus.
- Ela estava hesitante e amedrontada em volta de pessoas que ela não conhecia, então eu não acho que ela tenha ido até as pessoas e recebido ajuda - ela disse- Eu acho que ela fez a jornada toda sozinha.
Na Paws2Help, Mazzola disse - Eu quase não quis perguntar, por que eu queria ficar com ela, mas eu disse: "Veja se ela não tem um microchip". Ao lhe dizerem que tinha, eu apenas chorei.
Os Richter choraram ao ver Holly, que instantaneamente relaxou ao ser colocada no ombro de Jacob. A reintegração está indo bem, mas o mistério persiste.
- Nós não temos a menor ideia de como eles fazem isso - disse Galaxy - Qualquer um que alegue saber está mentindo e, se você descobrir, pelo amor de Deus, me conte.
The New York Times
Gata volta para casa após jornada de mais de 300 quilômetros
Animal de estimação que se perdeu em viagem conseguiu, depois de dois meses, voltar para sua cidade
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