Vellapallam, Índia - Vagando no estreito entre Índia e Sri Lanka, um pescador indiano chamado Sakthivel encolheu-se em seu barco. Um oficial da marinha do Sri Lanka, após tirar uma foto do homem, entregou um aviso: se o encontrarmos novamente em águas de nosso país, você nunca mais irá embora.
De volta a esta aldeia de pescadores indiana, Sakthivel rapidamente vendeu o barco e desistiu da pesca. Ele disse a amigos que estava assustado demais para voltar ao mar. Porém, sem estudo e sem emprego, ele só sabia pescar. Então nasceu seu primeiro filho. Ele fez um empréstimo, comprou um novo barco e partiu na direção do Sri Lanka - e nunca retornou. Ele está desaparecido há quase um ano.
"Agora meu marido se foi", lamentou sua esposa, Maheshwari, de 21 anos - que, como a maioria das pessoas desta vila, usa apenas um nome. "O que vou fazer?"
Na parte inferior do subcontinente indiano, uma guerra de pesca vem afetando as relações entre a Índia e o Sri Lanka: pescadores indianos, muitas vezes pobres e desesperados, cruzam regularmente o limite das águas do Sri Lanka e colidem com a marinha desse país. Os números variam, mas de acordo com um relatório, pelo menos 100 pescadores indianos foram mortos e 350 ficaram gravemente feridos nos últimos anos - mais um exemplo da volatilidade das questões marítimas na Ásia.
A disputa surge de uma complexa mistura de fatores locais: o esgotamento contínuo dos cardumes de peixes, em parte pelo excesso de pesca de arrasto pelos indianos; as consequências do tsunami de 2004, quando recursos de ajuda humanitária foram parcialmente usados para expandir a frota de pesca indiana (mesmo com a população de pescadores diminuindo); e o fim da longa guerra civil do Sri Lanka, em 2009, que possibilitou a volta dos pescadores do país a águas antes aproveitadas quase exclusivamente pelos indianos.
A rixa é intensificada pela história e pela proximidade. No ponto mais próximo, os dois países são separados por míseras 10 milhas náuticas, embora os dois lados sejam ligados pela etnia. Os tâmeis dominam o estado de Tamil Nadu, no sul da Índia, e possuem fortes ligações culturais com os tâmeis do Sri Lanka - chegando a oferecer suporte a rebeldes tâmeis e a aceitar refugiados durante os combates que terminaram com uma vitória do governo.
Aqui em Vellapallam, o confronto de pesca é bastante pessoal, já que a atividade é praticamente a única subsistência disponível. Quando a aldeia foi devastada pelo tsunami de 2004, o dinheiro de ajuda foi usado para construir casas de concreto para famílias ou para ajudar a financiar novos barcos de pesca. Quase todos os pescadores da aldeia usam pequenos barcos motorizados, em vez dos grandes barcos de arrastão ancorados em cidades vizinhas. Durante muitos anos, segundo os pescadores, eles permaneceram próximos da costa indiana, mas foram gradualmente empurrados para mais longe à medida que a população de peixes diminuía.
Quando eles se aproximam de águas do Sri Lanka, ou quando cruzam os limites, muitas vezes a marinha do Sri Lanka já está esperando. Um pescador muito magro, chamado Pakkirisamy, levantou a camisa para mostrar hematomas e marcas nas costas. Ele contou que, em agosto, soldados da marinha do Sri Lanka o espancaram com chaves de roda e cordas. Em seguida, eles teriam despejado seu combustível no mar e ordenado que ele retornasse à Índia. Ele levantou a vela e chegou oito horas depois.
Essa é uma história comum. Outros pescadores descreveram o confisco de seus equipamentos, roubo de seus celulares e apreensão de seus isopores com gelo. Muitos dizem ter sido atacados por marinheiros do Sri Lanka, embora um acordo bilateral entre os dois países proíba esse tipo de tratamento. Antes, eles disseram, os navios de guerra do Sri Lanka abordavam somente os barcos maiores - mas agora eles atacam também os barcos pequenos.
"Esta é uma profissão arriscada", explicou um pescador chamado Dhanabal. "Mas nós não sabemos fazer outra coisa. Somos analfabetos. Somos pobres."
A questão das fronteiras marítimas é delicada em Tamil Nadu. Na década de 1970, a Índia e o Sri Lanka concordaram numa fronteira marítima onde a Índia cedia ao Sri Lanka uma ilha chamada Katchatheevu, perdendo os direitos de pesca nas proximidades. Hoje, muitos pescadores de Tamil Nadu, assim como os líderes estaduais eleitos, querem reclamar a ilha e os direitos de pesca como parte do que eles consideram seu patrimônio.
Durante a guerra civil do Sri Lanka, barcos pesqueiros da Índia enfrentavam riscos e, ocasionalmente, a artilharia dos navios de guerra do Sri Lanka. Na maior parte do tempo, porém, a marinha estava distraída pela guerra, permitindo que os barcos indianos operassem livremente e com pouca concorrência - já que a frota de pesca do Sri Lanka estava presa pelo conflito.
Hoje, no entanto, os pescadores do Sri Lanka estão voltando ao mar e reclamando de pesca predatória e ilegal por parte dos indianos - especialmente do uso extensivo de barcos de arrastão e redes de nylon de monofilamento, práticas proibidas pelo Sri Lanka. Em fevereiro de 2011, pescadores do Sri Lanka formaram uma flotilha e capturaram 18 barcos de pesca e 112 pescadores indianos - após pressões do governo, eles libertaram os barcos.
"A maior parte dos recursos naturais do mar foi destruída e arruinada por eles", afirmou S. Thavarthnam, presidente da Associação de Pescadores da Província do Norte, um grupo do Sri Lanka. "Nosso futuro foi demolido por eles."
Sugeeswara Senadhira, cônsul geral da Embaixada do Sri Lanka em Nova Déli, negou que navios da marinha estivessem atacando pescadores indianos, classificando tais declarações como "histórias inventadas". Ele acusou os barcos indianos de cruzar ilegalmente a fronteira internacional.
"Eles não podem pescar ao redor da ilha", declarou Senadhira.
V. Vivekanandan, antigo defensor dos pescadores indianos que estudou a disputa de perto, disse que os esforços diplomáticos estão travados e que é preciso definir diretrizes regionais de gestão de pesca. Ele acrescentou que o número de barcos pesqueiros e arrastões indianos aumentou significativamente, em parte devido aos fundos de ajuda disponibilizados após o tsunami. Ele reivindicou uma comissão regional, com representantes dos dois países, para administrar os recursos de pesca cada vez menores e mediar a disputa.
"Não há peixes suficientes", garantiu Vivekanandan. "Houve um enorme aumento na capacidade de pesca, contribuindo para uma captura menor para cada barco."
Em Vellapallam, a redução das capturas ameaça a sobrevivência de famílias da pesca. Quase todos os pescadores são iletrados; até recentemente, a escola da aldeia terminava na quinta série. Para Maheshwari, a jovem mãe cujo marido desapareceu no ano passado, a única fonte de renda é um auxílio governamental de 250 rúpias por dia (cerca de US$ 4,50). Deprimida e desesperançada, ela disse ter tentado cometer suicídio.
Outra mulher, Rukumani, perdeu o marido há dois anos; segundo ela, ele foi morto num confronto com marinheiros do Sri Lanka. Ele já havia sido abordado diversas vezes, mas continuava insistindo.
"Não existe nenhum outro emprego", afirmou ela. "Se ele não fosse, a família não teria comida. Ele costumava dizer: 'De que outra forma podemos comer?'"
New York Times
Sri Lanka e Índia disputam áreas de pesca
Confronto na parte inferior do subcontinente indiano afeta as relações entre os dois países
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