Gramalote, Colômbia - Durante a maior parte do tempo, o único som que se escuta na antes idílica praça principal desta cidade é o canto dos pássaros empoleirados na torre rachada da igreja e o tap-tap-tap dos martelos brandidos por homens que retiram furtivamente os últimos itens de algum valor: um pedaço de vergalhão vindo de um telhado, tijolos remanescentes de paredes destruídas.
Pouco antes do Natal de 2010, um desastre natural devastou esta cidade de 2.900 pessoas, chamando atenção até mesmo em um país conhecido pela incidência de desabamentos, enchentes e erupções vulcânicas.
Cercada por colinas íngremes, Gramalote fica numa falha geológica cujos movimentos ajudaram a criar camadas instáveis de rocha quebrada e solo. Depois de dias de chuvas excepcionalmente fortes em dezembro, o solo saturado começou a se movimentar, não todo de uma vez como em um desabamento de terra, mas lentamente, a uma velocidade de um milímetro por segundo. Os geólogos dizem que uma série de pequenos terremotos também pode ter causado o movimento. Paredes racharam. Tetos desabaram. Rachaduras longas e profundas se abriram na terra. Uma das duas torres de sinos da igreja, querido marco da cidade, caiu.
Mesmo enquanto as 870 famílias da cidade estavam sendo evacuadas, os políticos se apressaram para apresentar promessas de auxílio. O presidente Juan Manuel Santos prometeu que uma nova Gramalote, melhor do que a anterior, seria construída. O governo, porém, disse que precisaria transferir a cidade para um local seguro, longe dos morros íngremes e dos solos instáveis que causaram o desastre.
Agora, quase um ano e meio depois, os gramaloteros, como são chamados os moradores daqui, estão perdendo a paciência. Realocados para cidades e vilarejos próximos, lutando para pagar o aluguel e frequentemente desempregados, eles estão voltando lentamente à cidade devastada, para morar entre as ruínas ou pelo menos com vista para elas.
- O fato de estarmos aqui mantém a cidade viva - disse Carmen Mongui, de 40 anos, que voltou em janeiro com o filho e a filha. - Se formos embora, a cidade definitivamente morrerá.
Mongui alugou uma pequena casa em meio a um conjunto de aproximadamente 12 que foram poupadas. O bairro, chamado La Lomita, no alto da rua principal da cidade, tem concentrado a vida entre as ruínas.
Cerca de duas dúzias de famílias voltaram poucas semanas depois do desastre. Contudo, esse número aumentou lentamente para cerca de 35, dizem oficiais locais.
Como muitos refugiados de Gramalote, Mongui estava morando em Cucuta, perto da fronteira com a Venezuela. Lá ela pagava um aluguel de cerca de 300 dólares por mês, mais do triplo do que paga agora. Não encontrava trabalho em Cucuta. Em Gramalote, ela ganha a vida vendendo roupas.
Mongui está aliviada por estar de volta, mas as lembranças do desastre ainda a assombram.
- As casas caíram como se fossem de bonecas - disse ela. Agora a chuva a deixa apreensiva, especialmente à noite.
- É um medo de estar dormindo e a mesma coisa acontecer de novo - disse ela.
Uma de suas vizinhas, Blanca Rosa Gomez, de 25 anos, retornou para Gramalote no mês passado e abriu uma pequena loja de medicamentos veterinários, fertilizantes e ração animal.
Gomez diz que não costuma andar muito entre as ruínas
- Quem for masoquista pode ir lá olhar e lembrar - disse ela.
Muitas pessoas fazem exatamente isso.
Recentemente, em uma manhã, Marco Osorio, de 49 anos, dirigiu de sua casa em Cucuta até Gramalote. Foi lá que ele nasceu e, embora tenha deixado a cidade quando criança, ainda sente uma ligação especial com o lugar, que representa um passado rural mais tradicional. Aquela era a sua primeira visita desde o desastre.
- Costumávamos dizer que mesmo que os gramaloteros morressem, a cidade sobreviveria - disse Osorio. - Agora foi a cidade que morreu enquanto continuamos vivos.
Hoje Gramalote parece uma cidade bombardeada. Após autoridades locais derrubarem prédios em risco de desabamento, quarteirões inteiros foram reduzidos a escombros.
Em outras partes da cidade, as construções foram tomadas pelo caos. Há cavalos pastando nas salas de casas sem teto, cheias de mato. Em uma das ruas, o asfalto está repleto de irregularidades e a torre remanescente da igreja amarela está inclinada, em situação precária.
Gramalote já chegou a ser uma importante cidade comercial situada nessa região agrícola, onde há plantações de café, laranja, banana e outras culturas. Agora, muitos dos gramaloteros que voltaram conseguem se sustentar com a coleta de materiais dos escombros. Os achados mais lucrativos, como cobre, arame e vigas de aço grossas, foram retirados há meses.
Os homens usam martelos para quebrar tijolos ou blocos de cimento das paredes destruídas. Mil tijolos podem render cerca de 200 dólares. Eles também batem nos tetos de concreto para retirar vergalhões de aço, que são vendidos por cerca de 20 centavos de dólar por cada 300 centímetros.
Essa coleta aconteceu abertamente até o final de abril, quando um homem faleceu ao ser esmagado por uma parede que desabou enquanto ele procurava materiais para vender.
O homem foi o primeiro a morrer nas ruínas, disseram autoridades locais. Ninguém morreu no desastre de 2010, embora os moradores digam que muitos dos refugiados mais velhos morreram nos meses seguintes, o que eles atribuem à tristeza mais do que a qualquer outra coisa.
A polícia, que trabalha em uma casa alugada em La Lomita, respondeu à morte proibindo a coleta de escombros. Contudo, muitos habitantes daqui estão extremamente pobres e dizem que a coleta é a única fonte de renda que têm.
Alguns continuaram a fazer a coleta apesar da proibição, embora recentemente, em uma manhã, tenham parado de martelar quando um vigia apitou para sinalizar que dois policiais de moto estavam se aproximando.
Em abril, os gramaloteros fizeram uma passeata em Cucuta para exigir que o governo cumpra a promessa de construir uma nova cidade.
A prefeita Sonia Rodriguez Torrente, que tomou posse em janeiro, disse que o governo federal está demorando para tomar uma atitude e tem deixado os moradores sem notícias. Porém, ela disse esperar que um novo espaço para a cidade seja escolhido nos próximos quatro meses, e que as obras comecem no lugar até o fim do ano.
Neste mês, Rodriguez deu continuidade à demolição de uma escola e um centro cultural, entre outros prédios do governo. Mas ela disse que pretende deixar a igreja de pé, como um símbolo do lugar e do que aconteceu ali.
- Vamos deixar que ela caia por conta própria - anunciou ela. - Não vamos tocar nela.