Marselha, França - Nassurdine Haidari sabe que pessoas como ele - negro, muçulmano e ex-imame - não são o público-alvo dos candidatos à presidência da França. Apesar disso, ele está indignado com o fato de que eleitores dos "banlieues" (subúrbios pobres das cidades francesas, onde a maior parte da população é imigrante), além de não serem levados em conta, também são usados como símbolos para a promoção de ansiedades raciais e religiosas.
- Os 'banlieues' são a grande ausência na campanha - disse Haidari. - Não falamos sobre eles. As pessoas não gostam de falar a respeito. Elas não querem se envolver.
Com 34 anos e nascido na França, de pais vindos de Comores, na costa leste da África, Haidari é muito bem sucedido - é vice-diretor para a juventude e o esporte da Primeira e da Sétima Divisões Administrativas de Marselha e membro do Partido Socialista.
No entanto, segundo Haidari, até o candidato presidencial do seu partido, François Hollande, cuja campanha se baseia na diversidade, na igualdade e em novos investimentos em empregos e educação, fala disso apenas em termos gerais.
- A classe política inteira tem um problema com o Islamismo - ele disse. - Ela está desconectada da realidade.
Haidari afirma que Hollande propõe a criação de um cargo ministerial para as mulheres, mas não para os árabes.
- Precisamos de um ministro da igualdade, que lide com todas as formas de discriminação - ele disse.
Ele afirma ainda que o presidente Nicolas Sarkozy e os membros da Frente Nacional, o partido de extrema direita, estão assumindo a estratégia política da divisão e do uso de bodes expiatórios.
- A questão não é a burca - o véu de rosto inteiro, ele disse. - Eles fazem isso para aumentar a pressão, para mostrar às pessoas que 'sabem como lidar com os muçulmanos'.
Os discursos estão especialmente agressivos agora, depois dos assassinatos de sete pessoas em Toulouse - três soldados muçulmanos e quatro judeus, dos quais três eram crianças - por um muçulmano nascido na França, Mohammed Merah, de 23 anos, que afirmou ter se inspirado na Al-Qaeda. Depois dos assassinatos, houve uma série de prisões de radicais islâmicos suspeitos, o que Sarkozy afirma não ter nenhuma conexão com o caso de Toulouse ou a política presidencial.
Até mesmo em Marselha, cidade famosa pela sua tolerância, há uma debate acalorado ligado ao projeto de construção de uma grande mesquita, que vem sofrendo problemas políticos e financeiros e causando acirrados conflitos internos entre muçulmanos. Ao todo, os muçulmanos representam cerca de 30 por cento dos 850.000 habitantes de Marselha, mas estão tendo mais filhos do que a população não muçulmana. Em toda a França, eles representam entre 8 e 9 por cento da população de 63 milhões de pessoas.
- A prefeitura nunca quis uma grande mesquita - disse Haidari. - Esta é uma cidade profundamente cristã, onde a Frente Nacional tem muito poder, e decidir construir a maior mesquita da França na segunda maior cidade do país significa perder muitos votos. As pessoas daqui querem um islamismo invisível; elas preferem pequenas salas de culto a uma grande mesquita do tamanho de uma catedral.
Sarkozy, da conservadora União por um Movimento Popular, e a Frente Nacional - que foca no islamismo imigrante e radical e nos costumes muçulmanos - empurraram a política francesa para a direita.
- Existe uma 'direitização' da política na França, mesmo na esquerda - disse Haidari, afirmando que um dos assuntos predominantes desse processo é o islamismo. - É mais fácil ter um templo budista do que uma mesquita. Por quê? Porque uma mesquita levanta a questão do islamismo na França.
Quanto aos próprios muçulmanos, "eles não ligam para a mesquita - querem empregos, comida e uma boa educação", disse Haidari. Segundo ele, as questões principais são os empregos, a discriminação e a má qualidade do ensino. Ele afirma que as crianças muçulmanas saem da escola sem qualificação para trabalhar.
- Uma criança que nasce já está condenada a ser excluída da sociedade, porque vive em uma favela e não recebeu a educação adequada - ele disse. - Há uma organização em guetos, que cria injustiça.
No entanto, a discussão constante sobre o islamismo faz com que os muçulmanos tenham uma sensação maior de identidade e distanciamento. Em um relatório recente, "Banlieue de la Republique", escrito por Gilles Kepel, especialista em islamismo do Instituto de Ciência Política, descobriu uma "intensificação da identidade muçulmana" e um crescente distanciamento em relação à sociedade francesa em geral.
Depois das revoltas de 2005, os problemas dos "banlieues" foram abordados na campanha presidencial de 2007, e o vencedor, Sarkozy, prometeu um "Plano Marshall" para os subúrbios e nomeou uma feminista, Fadela Amara, para o cargo de ministra-adjunta. A maioria desses grandes planos foi por água abaixo por motivos políticos e por causa da crise econômica, assim como os ministros das minorias e muçulmanos, que Sarkozy havia nomeado como parte do seu plano, há muito abandonado, de "abertura" para a esquerda.
Mesmo assim, Sarkozy conseguiu investir mais de US$ 30 bilhões no que os franceses chamam de "zonas urbanas sensíveis", e pode se vangloriar por não ter havido mais nenhuma revolta desde 2005, mesmo que o nível de desemprego entre os jovens nessas áreas esteja em 45 por cento.
Na região pobre do norte de Marselha, onde a nova mesquita seria construída no local onde ficava um antigo matadouro, ao lado de uma escola paroquial chamada Saint-Louis, habitantes brancos e pobres, na maioria marinheiros aposentados, estão felizes que o projeto pareça ter sido abandonado.
- Precisamos construir algo que gere dinheiro e empregos, e não uma mesquita - disse um freguês do Gran Bar Bernabo. - A cinco minutos daqui, crianças estão usando drogas.
Na mesma rua, Muhammad Jamat trabalha na mercearia do seu tio, Les Epiceries de Provence. Jamat, de 34 anos, que nasceu na Tunísia e tem uma licença para dirigir caminhões pesados e transportar cargas perigosas, disse ter vindo para cá da Itália porque Marselha é um porto, e ele tinha certeza que encontraria muitos trabalhos para caminhoneiro.
Mas ele afirma que, em diversas ocasiões, amigos brancos com menos qualificações conseguiram serviços para os quais ele não foi aceito, por causa, segundo ele, do seu nome muçulmano, sua pele mais escura e seu endereço na Décima Quinta Divisão Administrativa, conhecida pelos imigrantes e pela criminalidade.
- As pessoas olham para o endereço e dizem: 'Não contratamos pessoas de lá' - ele disse. - Ou então, dizem que vão ligar, mas não ligam.
Ele afirma estar nervoso, desmotivado e infeliz por depender do seu tio, mas precisa alimentar seus dois filhos pequenos.
- Hollande não mudará a situação - ele disse, sobre o candidato à presidência.
Hollande apresentou algumas propostas, especialmente em um discurso que fez aqui, prometendo criar empregos em áreas onde o índice de desemprego é alto e isenções fiscais para empresas que contratarem moradores dos "banlieues"; educação melhor, incluindo aulas de francês; mais policiais; mais médicos jovens; e moradias melhores. Como socialista, Haidari disse preferir Hollande.
- Mas ele precisa botar a mão na massa, e não ficar apenas falando de símbolos - ele disse.