Mae Sot, Tailândia - Durante mais de duas décadas, eles foram símbolos da resistência contra a ditadura militar em Mianmar, promovendo incansavelmente, em países estrangeiros, uma mudança de regime. No entanto, agora que o governo está recebendo elogios por seus programas de reforma, centenas de dissidentes birmaneses que vivem fora do país poderão precisar de orientação vocacional.
- Está ficando difícil encontrar algo a respeito de que reclamar - disse Aung Naing Oo, diretor adjunto do Instituto de Desenvolvimento Vahu, uma organização na Tailândia, formada por estudantes ativistas birmaneses que fugiram de Mianmar no final dos anos 1980.
Esses exilados, como agora são conhecidos, assistem de longe enquanto Mianmar solta centenas de presos políticos, diminui a censura sobre os meios de comunicação e permite que um ícone da democracia birmanesa, Aung San Suu Kyi, comece a sua campanha para o governo.
- As coisas estão mudando dentro do país. Todos estão torcendo para conseguir voltar - disse Aung Naing Oo, que voltou a Mianmar no começo de fevereiro.
Através dos anos de isolamento de Mianmar, os exilados birmaneses serviram como intermediários importantes entre o país e o mundo exterior. Eles convenceram os governos do Ocidente a impor sanções ao regime militar, e publicaram notícias e material de inteligência, com opiniões fortes, mas muitas vezes valiosos, coletados de fontes de dentro de Mianmar.
Uma mensagem diplomática escrita em 2008 por um diplomata dos Estados Unidos em Bangkok calculava que havia 200 organizações de exilados birmaneses só na Tailândia. Mas a profissão de dissidente birmanês pode logo ser extinta.
O financiamento para seminários políticos está diminuindo, e diplomatas estrangeiros hoje preferem voar diretamente para Mianmar do que almoçar com os dissidentes exilados, como o presidente George W. Bush fez durante uma visita à Tailândia em 2008.
Se as mudanças em Mianmar surpreenderam muitos especialistas no país, elas foram especialmente desorientadoras para os grupos de exilados, muitos dos quais moram aqui em Mae Sot, uma cidade tailandesa na fronteira com Mianmar.
- Dediquei metade da minha vida à revolução - disse Myat Thu, um ex-estudante ativista que veio para a Tailândia há mais de duas décadas.
Ele acendeu um cigarro e relembrou a sua fuga através das florestas do leste de Mianmar, depois que o exército arrasou um levante popular em 1988. Ele e sua esposa tailandesa, Khemitsara Ekkanasingha, são donos de um café repleto de adesivos de "Birmânia Livre" e fotos de Suu Kyi.
Khemitsara começou uma campanha no ano passado pela libertação de 200 mulheres presas políticas em Mianmar, imprimindo cartões postais e organizando passeatas e vigílias. Hoje, todas as 200 mulheres já estão soltas, e ela está pensando em outras causas para defender, talvez voltadas para a desigualdade econômica global.
- Vamos erguer um cartaz. Parem a ditadura do capitalismo! - ela disse, apontando para a parede.
Outros dissidentes aqui dizem que querem continuar trabalhando com assuntos ligados a Mianmar, em parte por causa dos restos de desconfiança em relação ao governo, mas não sabem por quanto tempo poderão continuar no exílio.
Naing Aung, antigo estudante e ativista, ajuda a administrar o Fórum Pela Democracia na Birmânia, grupo parcialmente financiado pelos Estados Unidos que realiza seminários sobre democracia e direitos humanos. Segundo ele, levantar dinheiro para esses projetos agora é difícil.
- Os patrocinadores estão dizendo que, se continuarmos apenas fazendo seminários e publicando artigos na Tailândia, eles não irão nos financiar mais.
Segundo Naing Aung, a vida é confortável para os dissidentes que moram na Tailândia, e pensar em sair é complicado para eles.
- As pessoas têm filhos e hipotecas aqui - ele disse.
A diáspora birmanesa é vasta. A cidade de Chiang Mai, no norte da Tailândia, abriga muitas organizações de dissidentes; há outras ainda em Londres, Washington e Nova Déli. A Voz Democrática da Birmânia, que teve um papel muito importante da distribuição de fotos da ofensiva militar de 2007 em Mianmar, fica na Noruega.
Antigamente, jornalistas pegos em Mianmar trabalhando clandestinamente para a Voz Democrática eram aprisionados. Hoje, Aye Chan Naing, diretor executivo da organização, disse que está negociando com o governo a abertura de um escritório dentro do próprio país.
- Acredito que, dentro de um ou dois anos, se as coisas continuarem assim, muitos dos dissidentes irão retornar, e o financiamento irá secar. Alguns grupos já foram avisados de que esse é seu último ano de financiamento - ele disse.
O presidente de Mianmar, Thein Sein, e seu governo têm tentado atrair os exilados de volta. Aung Min, um ministro do governo, foi até a Tailândia em fevereiro para tentar convencer os dissidentes, de acordo com Aye Chan Naing, que se encontrou com ele.
- O fato é que, se você é um ativista, irá querer ficar onde as coisas estão acontecendo. Se isso não estiver ocorrendo no local onde você está, você precisa se mudar - disse Aung Naing Oo, do Instituto de Desenvolvimento Vahu, que fica em Chiang Mai.
Mas muitos dissidentes afirmam que as mudanças não os convencem, e que eles não estão pensando em voltar para a terra natal.
- Eu não acredito - disse U Bo Kyi, cofundador de uma associação localizada em Mae Sot, que mantém um arquivo com as informações dos presos políticos.
Bo Kyi, que fugiu de Mianmar aos 13 anos de idade, disse que está esperando que as autoridades de Mianmar - muitos dos quais foram generais importantes durante o governo militar - reconheçam e reparem os aprisionamentos, torturas e outros abusos.
- Não queremos vingança. Mas precisamos de reconhecimento e reparações por parte do governo - ele disse.
Acima de tudo, ele espera um pedido de desculpas.
- A confissão é muito importante para a reconciliação nacional - ele disse.