Os vinicultores franceses, quando fazem suas vendas, adoram contar uma história na qual servem seus próprios produtos, invariavelmente modestos, junto àqueles mais caros e muito melhor avaliados, de outros competidores.
Todos adoram os vinhos mais caros na primeira degustação, mas, ao fim da refeição, contam os produtores com orgulho, as garrafas dos outros ainda estão quase cheias, enquanto as suas foram drenadas e uma segunda leva já foi aberta. O argumento é: apenas porque um vinho é imediatamente amigável, isso não quer dizer que ele continuará agradável conforme o tempo passa.
A historinha pode estar entre os maiores clichês de venda de vinhos, mas ela se aplica bastante bem quando se avalia os vinhos grenache. Poucas uvas fazem vinhos tão imediatamente aprazíveis quanto a grenache. A primeira taça nos envolve num abraço rico e poderosamente frutado. Mas é na segunda taça, mais traiçoeira, que se pode medir de fato o valor do vinho.
Essa taça revelará se a explosão inicial de frutas foi estruturada de modo a refrescar, revigorar e energizar, ou se ela simplesmente o deixará esgotado. O fator da fadiga é sempre um problema com a grenache. Essa é uma casta de climas quentes, plantada em todo o sul da França, na Espanha, na Califórnia e na Austrália, e realmente oferece níveis alcoólicos de mais de 15%.
Sem uma gestão escrupulosa, especialmente dos vinhedos, esses sabores frutados podem facilmente ficar quentes e muito doces, com sabor de geleia. Mas, quando trabalhada corretamente, a potência abrupta e encharcada de frutas da grenache pode ser imensamente recompensadora, particularmente quando a fruta suculenta e exuberante vem temperada de sabores minerais ou herbais que lhe deem um sentido de complexidade.
Há poucos dias, abri um vinho da região do Gigondas de 2008, da Domaine du Cayron. Como a maior parte dos tintos do sul do vale do Rhône, esse blend era dominado pela grenache - 70%, neste caso - junto a uvas syrah, cinsault e um toque de mourvèdre. O vinho era encantador, tendo seu grande jorro de ameixa e frutas vermelhas ancorado por uma base terrosa, quase tumular.
Minha esposa e eu tomamos uma garrafa inteira, comprovando novamente a utilidade da velha anedota dos vinicultores franceses. A grenache é a base de grandes vinhos como os Châteauneuf-du-Pape e os Priorat da Catalunha, assim como muitos outros menos conhecidos, incluindo os do Gigondas, região muito próxima do Châteauneuf.
Talvez como resultado da popularidade e do preço crescentes dos Châteauneuf, tenho visto mais Gigondas nos últimos anos, especialmente em cartas de vinhos nos restaurantes, onde são em geral apresentados como versões menos caras dos Châteauneuf.
Num esforço para obter uma imagem mais clara do Gigondas, o júri de vinhos degustou 20 garrafas de colheitas recentes, em geral de 2009, mas também uma amostra de 2007 e 2008, e uma de 2010. Para a degustação, juntaram-se a Florence Fabricant e a mim Raj Vaidya, o sommelier chef do restaurante Daniel, e Pascaline Lepeltier, diretora de vinhos do restaurante Rouge Tomate, ambos de Nova York.
Todos concordamos que, coletivamente, esses eram vinhos robustos, frutados e generosos, que podem ser todos muito amigáveis. Ainda assim, ficava igualmente claro que colocar os Gigondas no mesmo nível dos Châteauneuf era querer demais. Um bom Châteauneuf oferece uma espécie de magnificência e grandiosidade decadente que em geral ultrapassa esses vinhos mais diretos.
Não encontramos os aromas característicos de ervas e especiarias selvagens que aliviam o sabor de fruta nos melhores Châteauneuf. Mesmo ao Domaine du Cayron, que eu havia apreciado tanto em casa, mas que infelizmente não havia nessa degustação, faltava essa outra dimensão.
Enquanto os aromas e sabores do Châteauneuf imediatamente evocam um sentido particular de enraizamento, estes vinhos Gigondas resumiam uma imagem mais geral do sul da França. Raj sugeriu, a certa altura, que os detalhes reveladores dos Gigondas não seriam encontrados nos aromas e sabores, mas em sua estrutura e alto grau alcoólico.
Sejamos claros, no entanto. Não quero criticar os Gigondas; quero simplesmente ajustar as expectativas. Todo vinho tem seu lugar, e eu valorizo especialmente os bons vinhos para o cotidiano. Mesmo considerando as variações nas safras (e 2009 foi um ano quente, que aumentaria a potência e o sabor de fruta desses vinhos), a maior parte dos Gigondas dificilmente chega ao nível da exaltação.
- Há um pequeno mundo entre os Côtes du Rhône e os Gigondas, e um grande golfo entre os Gigondas e o Châteauneuf - disse Pascaline.
Os vinhos do Gigondas haviam sido considerados como Côte du Rhône até 1971, quando a região recebeu denominação própria. Entre nossos favoritos, apreciamos especialmente os vinhos que ofereciam alguma vivacidade e energia, o que permite que mesmo grandes vinhos como esses sejam refrescantes.
Nosso vinho número 1, o Les Mourres de 2009 da Notre Dame des Pallieres, parecia particularmente equilibrado apesar de seus 15% de álcool, e foi um dos vinhos mais complexos da degustação. O segundo vinho, um Cuvée Tradition da Domaine du Gour de Chaulé, era também fresco e, se não tinha a potência brusca do Notre Dame, compensava-o com notas herbais e minerais que quase não encontramos nessa degustação.
Assim como 2009, o ano de 2007 produziu vinhos grandes e opulentos. Muitos estavam exagerados, embora alguns (o Gour de Chaulé e a nossa garrafa de número 3, o Domaine de Font-Sane de 2007) estivessem deliciosos. O Font-Sane era um vinho musculoso, também a 15%, mas tinha aquela frescura salgada e terrosa de que gostamos tanto.
Era também o melhor custo-benefício, a US$ 21. A maior parte dos Gigondas fica a menos de US$ 40 a garrafa, embora cheguem às vezes a custos surpreendentemente altos. Pagamos US$ 73 por uma Prestige des Hautes Garrigues de 2009 da Domaine Santa Duc, mas o consideramos excessivamente grandioso e com muito sabor de geleia. Não chegou aos nossos 10 mais.
Tampouco, a US$ 65, incluímos o Hominis Fides de 2008 da Château de St.-Cosme, rico e cheio de tanino, mas cujo sabor de fruta vinha muito adocicado e confeitado. Outros vinhos dignos de nota foram o equilibrado Pierre Henri Morel de 2009; o concentrado, mas complexo La Font de Tonin de 2009, da Domain la Bouissière ; o potente e suculento Les Pierres du Vallat de 2010, uma garrafa de US$ 19; e o ligeiramente sujo Domaine Saint François Xavier de 2009.
E não posso me esquecer do Domaine du Cayron de 2008, terroso e tingido de alcaçuz, que tomei em casa. Mesmo não estando na degustação, é a referência que tenho para o quão agradáveis podem ser os Gigondas. Experimente-o, ou qualquer um de nossos 10 mais, e veja se você mesmo não vai querer uma segunda garrafa.