Foi o petróleo do Sudão do Sul que levou a economia do Sudão ao crescimento da última década e que tornou tolerável para muitos sudaneses a repressão do governo islâmico do Sudão (que ainda é severamente penalizado pelos Estados Unidos).
Quando o Sudão do Sul declarou sua independência, levou consigo bilhões de dólares em petróleo, estripando a economia sudanesa e criando uma das crises mais profundas que o presidente Omar Hassan Bashir enfrentou durante os 20 anos em que está no poder.
Atualmente, Bashir luta contra a inflação, contra uma economia que está encolhendo, contra protestos estudantis e contra diversas revoltas em Darfur, nas montanhas Nuba e no estado do Nilo Azul. Além disso, ele encara acusações de genocídio relacionadas aos massacres que ocorreram há muitos anos em Darfur.
Ao mesmo tempo, o Sudão do Sul, um dos países mais pobres do mundo, está enfrentando uma grande crise alimentar e as milícias étnicas fortemente armadas que têm assolado partes do interior do país, assassinando centenas de pessoas e ridicularizando as forças de segurança locais.
Para aumentar ainda mais as tensões, o Sudão e o Sudão do Sul estão apoiando secretamente grupos rebeldes no quintal do inimigo, levando a conflitos nas áreas fronteiriças e a impiedosos ataques aéreos.
Neste momento, os mais de 1,6 mil quilômetros da fronteira estão fechados, impedindo a passagem de milhares de toneladas de ajuda alimentar de emergência e de praticamente todas as mercadorias. Antes do recente acordo de paz, a situação era tão precária que muitas pessoas previam somente resultados violentos.
- Pessoalmente, eu estou esperando que uma guerra seja declarada. Parece um trailer antes do filme - afirmou Mariam al-Sadiq al-Mahdi, líder da oposição em Cartum, a capital do Sudão.
Na luta pelo petróleo, o sul se recusou a pagar royalties por utilizar os dutos sudaneses. O Sudão aumentou suas apostas no final de dezembro, capturando dois navios petroleiros do Sudão do Sul carregados com petróleo bruto. Então, o sul tomou a medida drástica de fechar abruptamente todos os seus poços de petróleo, o que pode levar ao colapso das economias do norte e do sul.
Funcionários do governo do Sudão do Sul admitiram que estão utilizando seu petróleo para obrigar Cartum a fazer concessões em diversos setores, incluindo a região disputada de Abyei. Eles garantem que só voltarão a produzir petróleo depois que "todos os acordos forem assinados". Além disso, o sul está ameaçando abandonar a produção de petróleo por anos, até construir um novo oleoduto que passe pelo Quênia.
Mas ainda não se sabe de que modo o país irá sobreviver por tanto tempo, já que o petróleo é responsável por 98% das receitas do governo. Os especialistas questionam se o oleoduto do Quênia seria realmente viável. Ele teria de fluir montanha acima, o que torna necessária a utilização de caras estações de bombeamento.
Além disso, ele provavelmente iria cruzar o estado de Jonglei, no Sudão do Sul, que com todas as suas milícias é, essencialmente, uma zona de guerra. Em Cartum, muitas pessoas ainda têm dificuldades de engolir o fato de que o sul não faz mais parte do país. Ninguém gosta do novo mapa do Sudão, que era o maior país da África.
Agora, ele parece ter sido toscamente amputado e sua fronteira se parece com as bordas irregulares de uma ferida aberta.
- Eu ainda não consegui me acostumar com isso. É muito, muito... (ela teve dificuldade para encontrar a palavra) Bizarro! - afirmou Nada Gerais, uma gerente de vendas de Cartum.
Gerais é um exemplo perfeito do salto mortal dado pela economia do Sudão. Ela trabalha em uma concessionária extremamente organizada da Nissan, que costumava vender 50 carros por mês. Atualmente, às vezes eles vendem apenas cinco. Ela está pensando em mudar para o ramo farmacêutico ou de alimentos.
- As pessoas podem deixar de comprar carros, mas não podem parar de comer - explicou.
Durante a última década, o dinheiro do petróleo sudanês serviu de combustível para a construção de novas fábricas, estradas, restaurantes de espetinhos e para planejar uma minicidade futurista, além de um aeroporto bilionário e de uma reforma completa da capital, incluindo a criação de um alegre calçadão às margens do Nilo.
Mas agora, os novos arranha-céus estão pela metade e a libra sudanesa se desvalorizou tanto que produtos eletrônicos, livros e até mesmo tomates se tornaram caros demais para muitas pessoas. Funcionários do governo em Cartum disseram que o sul deve quase US$ 1 bilhão em taxas pela utilização dos oleodutos, um dinheiro necessário para impedir que a economia entre em colapso.
Eles também afirmaram que recentemente venderam parte do petróleo dos navios capturados, antes de devolvê-los ao sul. Segundo o presidente do Sudão do Sul, Salva Kir, o valor pedido por Cartum, US$ 32 por barril, era "exorbitante" e "completamente fora das normas internacionais".
Sabir M. Hassam, negociador do governo sudanês, afirmou que o norte estava disposto a ser flexível, mas que os sulistas foram "excessivamente emocionais" e que eles ainda se veem como rebeldes.
- Se você lhes dá duas opções, eles escolhem a que mais prejudica o norte, não a que mais ajuda o sul - afirmou Hassan.
Os líderes do Sudão do Sul afirmam o mesmo a respeito de Cartum, que bloqueou estradas que levam ao sul e, recentemente, impediu a entrada de carregamentos de ajuda humanitária. Tudo para punir o país, causando um prejuízo de milhões de dólares em negócios perdidos. Muitos analistas políticos se perguntam se Bashir será capaz de sobreviver a todas essas crises. Mas é difícil imaginar quem o substituiria.
A oposição sudanesa está profundamente dividida e é liderada por septuagenários de barba branca. Os movimentos rebeldes não recebem muito apoio em Cartum. Estudantes sudaneses começaram um movimento parecido com a primavera árabe no ano passado, mas não foram capazes de ganhar impulso.
As forças de segurança foram rápidas em prender os manifestantes e pendurá-los em cordas presas a ventiladores de teto. Além disso, o Sudão tem uma capacidade de resistência que transcende o tumulto. Toda sexta-feira, centenas de homens da etnia nuba se reúnem ao redor de um ringue empoeirado na periferia de Cartum para assistir uma competição de luta tradicional.
A etnia nuba está liderando a revolta contra Cartum nas montanhas Nuba, mas há poucos sinais disso por aqui.
- As coisas estão ótimas - afirmou um espectador idoso.
Quando ele estava prestes a se explicar, um jovem lutador agarrou o adversário e o jogou no chão.
- Você viu aquilo? Meu Deus, eu adoro isso - gritou o velho.