O Patrimônio da Humanidade é um grande negócio, trazendo hordas de turistas a países pobres, que podem usar os empregos e o dinheiro. Ele também pode esmagar os próprios locais que deveria proteger com os aspectos menos saborosos da viagem em massa, que vão de cadeias de hotéis e restaurantes ao impacto de milhares de pés com calçados esportivos marcando o chão frágil.
Contudo, o Patrimônio da Humanidade também pode ser um negócio curioso, dando reconhecimento a tradições (como danças tribais pré-modernas e lautas refeições familiares francesas) que podem ter pouco valor estético para qualquer grupo exceto os que as praticam.
Sejam quais forem os méritos, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) adotou o conceito. Na verdade, a Unesco adora tanto o patrimônio que criou dois tratados para reverenciá-lo.
O primeiro, a Convenção do Patrimônio da Humanidade, de 1972, é baseado no sistema de parques nacionais dos Estados Unidos, criado para defender uma paisagem selvagem antes que ela desaparecesse. O segundo, a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, foi apresentado em 2003 para defender tradições, e não lugares, é mais controverso.
Cento e oitenta e oito nações ratificaram a primeira convenção. Até agora, existem 725 patrimônios culturais, 183 naturais e 28 combinando os dois em 153 países. A lista de Patrimônios da Humanidade representa um catálogo de maravilhas. A Itália, nem é preciso dizer, inclui a Torre Inclinada de Pisa (a Piazza del Duomo inteira, na verdade) e Veneza e sua laguna. A Jordânia conta com Petra e Wadi Rum. A França chega a listar as margens do Sena.
A Rússia tem o Kremlin, a Praça Vermelha e o Lago Baikal. Nos Estados Unidos temos Yellowstone, Grand Canyon e os Everglades (listado como ameaçado). O Salão da Independência faz parte da lista, mas não a Casa Branca. Que curioso.
Luxemburgo praticamente lista a si mesmo; o Afeganistão inclui as tristes ruínas dos grandes Budas de Bamiyan, explodidos pelo Talibã.
As Ilhas Marshall têm apenas um item listado, o local do teste nuclear do Atol de Biquíni. Que bela distinção, para ser gentil, mencionar a preservação de um local de devastação consagrada ao fim potencial de tudo.
No livro Disappearing World: The Earth's Most Extraordinary and Endangered Places, Alonzo C. Addison, diretor de departamento de relações externas da Unesco, cita lugares que correm graus variados de perigo por uma série de fatores, como conflito, roubo, desenvolvimento, poluição, invasores e turismo.
O conflito é a ameaça mais óbvia, seja no Afeganistão, Jerusalém, Kosovo ou ao redor de templo de Preah Vihear, fronteira do Camboja e Tailândia, onde aconteceram três confrontos armados desde que o santuário entrou para a lista.
A crise de Darfur provocou danos extraordinários ao Parque Nacional de Garamba, na República Democrática do Congo, e aos rinocerontes brancos no norte da região, mortos por causa dos chifres por milícias que queriam comprar armas, observa Addison.
Porém, na maioria dos casos os problemas podem ser as consequências involuntárias do turismo em massa. Os países querem promover tais lugares para auferir renda. E para o bem ou para o mal, Addison declarou durante entrevista, "o mundo está mais global e alguns locais não conseguem lidar com todos os turistas", seja Machu Picchu ou Angkor Wat. (A Unesco agora está tentando colocar Machu Picchu na lista de locais ameaçados.)
Em 2008, o New York Times noticiou o impacto sobre uma cidadezinha no norte do Japão em função da indicação das minas de prata de Iwami, há muito tempo abandonadas, como Patrimônio da Humanidade. Com cerca de 400 habitantes e pouca infraestrutura, Omori foi inundada por centenas de milhares de turistas querendo conhecer o novo local.
A reportagem de Norimitsu Onishi descreveu como um homem de 90 anos acordou um dia e encontrou três turistas descansando no sofá da casa.
- O lado sombrio, sem dúvida, é o consumo - disse Francesco Bandarin, subdiretor-geral da Unesco e chefe do Centro de Patrimônio da Humanidade, falando do consumismo que com tanta frequência circunda os locais. - Consumo e preservação não se dão bem." Se um lugar ficar a "uma hora de um porto, ele é inundado por uma enxurrada de turistas e gêiseres de dinheiro.
Segundo ele, Angkor, por muito tempo isolado pela guerra e o Khmer Vermelho, agora conta com 200 hotéis nas redondezas.
- Isso é um grande problema agora. A indústria do turismo tem muita força em vários países pobres, mas uma visão de curto prazo.
A Unesco foi mais criticada pela segunda convenção, que trata de tradições, não de lugares. A lista do Patrimônio Cultural Imaterial só começou a acrescentar os chamados "elementos" em 2008. Até agora, 139 países assinaram a convenção, mas não os EUA. Como Addison disse, "a palavra 'imaterial' é difícil para as pessoas comuns entenderem'.
Existem 267 tradições protegidas até agora, com 27 descritas como "necessitando de salvaguarda urgente", como "a tecnologia de anteparo à prova d'água dos juncos chineses". A lista regular contém tradições orais e espetáculos, rituais sociais e habilidades manuais _ do Balé Real do Camboja ao teatro de marionetes da Indonésia. E, talvez peculiarmente, uma refeição gastronômica à francesa.
Cecile Duvelle, antropóloga encarregada da seção de Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco, defende-o com unhas e dentes de quem considera a ideia muito vaga e subjetiva.
- A palavra 'imaterial' é recente, mas o conceito é antigo; a ideia das culturas e tradições não materiais.
Ela enfatizou que a questão não é "preservar e proteger, o que significa congelar algo, mas salvaguardar". Duvelle observou que as tradições podem mudar enquanto são transmitidas, como uma espécie de patrimônio vivo que está sempre evoluindo e sendo recriado, fornecendo uma noção de identidade. Em troca de incluí-los na lista, os governos se comprometem com ações específicas para promover, apoiar e incentivá-los, seja uma questão de alterar ou criar currículos ou impedir o desflorestamento.
As tradições da lista não são julgadas por serem especialmente lindas, que dirá maravilhosas. Na verdade, elas representam a diversidade mundial. Sua inclusão implica que podem estar correndo perigo com a modernização e globalização.
- O valor é para a comunidade, não para o mundo.
Porém, a inclusão na lista pode levar à manipulação. A refeição gastronômica à francesa, protegida em 2010, é um exemplo. A intenção é preservar o pródigo evento familiar que marca grandes momentos da vida: nascimentos, comunhões, casamentos, aniversários, resultados de provas, morte. A lista reconhece "que a comunidade francesa coloca uma refeição gastronômica no centro da celebração da vida", afirmou Duvelle, que é francesa.
A Unesco não gostou nem um pouco que chefs franceses de três estrelas usassem a indicação para tentar se promover, culminando numa celebração grotesca em Versalhes em abril passando quando 60 mestres-cucas famosos prepararam refeições trazidas e aquecidas em estações de trabalho portáteis para celebridades e a imprensa.
Agora se fala, pelo menos, na retirada do reconhecimento porque o Estado não fez muita coisa para salvaguardar a tradição além de divulgá-la no exterior com o slogan "tão francês, tão bom!".
Enquanto os EUA têm hesitado em assinar a convenção Imaterial, citando preocupações com suas implicações sobre os direitos de propriedade intelectual, o embaixador americano na Unesco, David T. Killion, afirma que o "Patrimônio da Humanidade tem importância crítica".
Ele disse que os países lutam arduamente "pelos direitos culturais de marca". Segundo Killion, Herbie Hancoc, embaixador da boa vontade da Unesco, gostaria que o jazz fosse reconhecido como Patrimônio Imaterial.
E Paducah, Kentucky, defende os acolchoados.