Na noite de 12 de julho de 1993, a ilha de Okushiri foi arrasada por um enorme terremoto e um tsunami que hoje parece ter sido um prenúncio macabro do desastre muito maior que assolou o nordeste do Japão em março. Os ilhéus ainda se lembram com horror de como uma parede de água negra e espumante surgiu da escuridão e consumiu comunidades inteiras, matando quase 200 pessoas.
Nos cinco anos seguintes, o governo japonês reconstruiu a ilha, erguendo muros de concreto de 10 metros de altura em grandes trechos de sua costa, e fazendo a ilha parecer mais uma fortaleza que um recanto pesqueiro. Os projetos, que custaram US$ 1 bilhão, não incluíam apenas as robustas defesas contra as ondas, mas também a construção de bairros inteiros em terrenos mais elevados e alguns toques especiais, como um salão memorial do tsunami, em estilo futurista, que custou US$ 15 milhões, com um vitral para cada vítima.
Mas hoje, quando o Japão começa a reconstruir a costa do nordeste, uma tarefa que custará US$ 300 bilhões e demorará uma década, Okushiri se tornou uma espécie de exemplo de alerta. Ao invés de restaurar a ilha ao seu vibrante passado, muitos de seus habitantes afirmam que a gastança de US$ 1 bilhão apenas ajudou a acabar com o seu renascimento.
Os habitantes admitem que a reconstrução trouxe muitos empregos bem pagos no setor de construção civil. No entanto, esse foi exatamente o problema: acostumados com os salários mais altos, muitos dos jovens que restavam se recusaram a retornar à vida dura às custas do mar, e deixaram a ilha à procura de empregos mais bem remunerados em outros lugares.
Isso acelerou o despovoamento que ocorreu na ilha, assim como em boa parte das regiões rurais do Japão, à medida que as pessoas, especialmente os jovens, migram cada vez mais para as cidades. Especialistas afirmam que o número de habitantes desta ilha caiu mais rápido do que em qualquer outra região rural, chegando a 3.160 no ano passado, dos 4.679 que lá moravam em 1993, quando o tsunami atingiu a ilha.
- Deveríamos ter investido mais desse dinheiro da reconstrução em novas indústrias, para manter os jovens aqui - disse Takami Shinmura, 58 anos, prefeito do único município de Okushiri, que tem o mesmo nome da ilha.
Shinmura completa:
- Hoje, nos arrependemos disso.
Desde o último tsunami, em março, centenas de oficiais de governos locais das áreas afetadas, assim como a imprensa nacional, vieram para Okushiri, uma ilha com cerca do dobro do tamanho de Manhattan, para aprender lições de sua reconstrução.
Mas a mensagem de Okushiri parece não estar fazendo muita diferença. O país está sendo impulsionado por um enorme movimento de apoio às pessoas desalojadas pelo desastre recente, apesar de alguns japoneses questionarem o sentido de se começar uma dispendiosa reconstrução de comunidades que já se encontravam em decadência muito antes do terremoto de 2011.
Os quilômetros de muros robustos contra as ondas em Okushiri fazem as cidades portuárias e pesqueiras atrás deles parecerem miniaturas de vilas de castelos medievais, e os pescadores só conseguem alcançar o mar passando por pesados portões de aço.
O "boom" de construção civil criou outros elefantes brancos. O porto pesqueiro de Aonae, que se encontra na cidade de Okushiri, conta com um abrigo contra tsunamis que custou US$ 35 milhões e pode abrigar 2 mil pessoas, um número três vezes maior do que a população de Aonae. O abrigo, uma plataforma elevada para onde as pessoas subiriam para escapar das ondas, parece uma enorme mesa de concreto encimando os barcos e as docas abaixo.
Yasumitsu Watanabe, presidente da cooperativa de pescadores de Aonae, disse ter sido ingenuidade acreditar que a ilha pudesse retornar à sua economia original, pautada na pesca. Mesmo antes do desastre, a quantidade de peixes já estava diminuindo por causa do excesso de pesca e do aquecimento global. Para piorar a situação, a população de abalones, os valiosos mariscos da ilha, nunca se recuperou do tsunami, que destruiu seu habitat em águas rasas.
Ele afirma que o número de pescadores da ilha caiu para menos de 200, dos 750 de antes do tsunami.
- Precisamos de uma nova fonte de empregos - ele disse. - Só a pesca não está mais dando conta.
Watanabe disse que gostaria que a ilha tivesse construído enseadas fechadas, onde peixes e mariscos pudessem ser cultivados. Outros afirmam que Okushiri deveria ter usado o dinheiro do governo para construir fábricas para processar os peixes pescados na região, que hoje são enviados para outro lugar, ou para promover o turismo em uma ilha praticamente virgem, que conta com um único hotel moderno.
Autoridades do governo local afirmam que a gastança com a reconstrução, na realidade, tornou esse tipo de diversificação difícil. Além de usar fundos do governo, Okushiri tomou empréstimos no valor de US$ 60 milhões para seus projetos de construção, uma dívida que o município só irá terminar de pagar em 2027. Isso forçou o adiamento de melhorias necessárias, como a reconstrução do decadente edifício de madeira da prefeitura, que foi construído há 56 anos e estará em situação de risco no caso de outro terremoto.
- Não contamos mais com nenhuma reserva, apenas dívidas", disse o prefeito Shinmura.
E acrescentou, referindo-se à região do nordeste atingida pelo terremoto e pelo tsunami no ano passado:
- Tohoku deveria aprender com a nossa experiência.
As experiências amargas de Okushiri levaram alguns analistas em Tóquio a propor medidas radicalmente diferentes para a reconstrução do nordeste. Yutaka Okada, economista do instituto de pesquisas Mizuko, disse que o Japão poderia ter mais sucesso se simplesmente oferecesse montantes de dinheiro às vítimas do último tsunami. Algumas pessoas pegariam o dinheiro e deixariam o país, ele disse, mas outras iriam usá-lo para começar novos empreendimentos, exatamente o tipo de inovação do setor privado que costuma faltar ao Japão.
- O setor privado alcançaria soluções melhores do que simplesmente construir elefantes brancos - disse Okada.
Em Okushiri, o fim do "boom" da reconstrução forçou a ilha a adotar esse tipo de empreendedorismo, mesmo que tardiamente. Com o objetivo de encontrar novas maneiras de ganhar dinheiro, a maior empresa de construção de Okushiri, a Ebihara Kensetsu, começou a diversificar seus negócios, comprando o único hotel turístico da ilha, vendendo água mineral em garrafas e até abrindo a primeira vinícola local.
- Não podemos mais depender tanto do governo central - disse o presidente da empresa, Takashi Ebihara.
- Isso vale não só para a ilha, mas também para Tohoku ou para qualquer outro lugar.
The New York Times Service
Ilha japonesa reconstruída serve de alerta
Em 1993, a ilha de Okushiri foi arrasada por um enorme terremoto e um tsunami
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