Grupo de Investigação

Dinheiro público
Reportagem investigativa

Polícia Federal investiga no RS quase 400 pessoas por saques no auxílio emergencial

Parte dos 258 inquéritos já concluídos resultou em devolução de dinheiro sacado irregularmente

Giovani Grizotti

Humberto Trezzi

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Marcello Casal Jr. / Agência Brasil
Benefício com parcelas de R$ 600 foi sacado por quadrilhas e pessoas informando condições financeiras que não eram reais

Acordos com o Ministério Público Federal têm livrado do processo criminal muitos gaúchos que teriam recebido pagamentos indevidos do auxílio emergencial durante a pandemia. Publicada há dois anos pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI), série de reportagens mostrou pessoas que não se enquadravam nos critérios necessários recebendo o dinheiro que seria destinado ao público de baixa renda.

A Polícia Federal (PF) já concluiu 258 inquéritos sobre saques ilegais do auxílio emergencial no RS. Outras 130 investigações estão em andamento. São, basicamente, dois tipos de problemas os encontrados.

O mais comum é o crime que seria praticado pelos próprios beneficiários, que falseariam dados a respeito de suas condições financeiras. Empresários, funcionários públicos e outras pessoas teriam fraudado informações, de modo a obter parcelas de até R$ 600 que o governo federal destinava a quem ficou na penúria econômica durante a pandemia. Eles são suspeitos do crime de estelionato.

O outro tipo de estratagema detectado pela PF, mais raro, é praticado por quadrilhas, que teriam invadido bancos de dados para se apossar de informações confidenciais de possíveis beneficiários do auxílio. A partir disso, requisitariam o benefício, sem que os reais beneficiários sequer percebessem que tiveram seu nome usado para sacar o dinheiro. Pelo menos duas operações realizadas pela Polícia Federal no RS, a Yandex e a Segunda Parcela, identificaram centenas de saques feitos irregularmente e resultaram em 11 indiciados por estelionato e associação criminosa.

Ações

As autoridades adotaram procedimentos diferentes para os dois tipos de golpe. No caso de quadrilhas que furtam dados dos beneficiários, a PF identifica os suspeitos e recomenda que sejam processados. Já com relação ao grupo mais numeroso, o de cidadãos comuns que eventualmente exageraram na situação de penúria para sacar o benefício, a PF, o Ministério do Desenvolvimento e o Ministério Público Federal tentam estimular que o sujeito supostamente em situação irregular devolva o dinheiro recebido, explica o procurador da República Celso Três, que atua no Vale do Sinos e já deparou com muitas situações assim:

— Isso porque são milhões de casos desse tipo no país. Quando os valores são devolvidos, não ocorre o processo criminal e a questão se extingue judicialmente.

Em Sapiranga, por exemplo, 72 servidores municipais foram convidados pela prefeitura a devolverem o valor sacado (o auxílio não contemplava funcionários públicos).

— Cerca de 30 não foram localizados, outros alegaram que eram homônimos. Mas a maioria devolveu, após pedido da Procuradoria da República. Alegaram que não sabiam da irregularidade. Vamos ver se ocorrerão punições administrativas — informa a procuradora-geral da prefeitura de Sapiranga, Míriam Monteiro.

Nas Missões, o procurador da República Osmar Veronese diz que tem estimulado que o beneficiário irregular pague cerca de 10 vezes o valor sacado. A maioria aceita, para não ser processado criminalmente.

O MPF não tem um levantamento de quantos acordos foram feitos no Rio Grande do Sul.

Devoluções

Reprodução / Reprodução
Rosângela é dona de um Mustang e ostentava viagens em postagens nas redes sociais

Um dos casos que resultou em acordo é da dona de casa Rosângela de Freire Melo, de Espumoso. Apesar de ser dona de um Mustang e exibir nas redes sociais fotos em hotéis cujas diárias custam cerca de R$ 1,2 mil, ela teria sacado ao longo de três meses R$ 3,6 mil do auxílio emergencial. Conforme apurado pela reportagem, Rosângela cumpriu Acordo de Não Persecução Penal e devolveu outros R$ 3,6 mil para não ser processada judicialmente. O dinheiro será destinado a entidades de cunho social. O acordo foi mediado pelo Ministério Público Federal em Passo Fundo.

Reprodução / Reprodução
Ana Paula Brocco em viagem ao Caribe

Outra moradora de Espumoso, a microempresária Ana Paula Brocco, responde a inquérito aberto pela PF, ainda não concluído. Em 2020, ela planejou casamento no Caribe, para convidados. Nas redes sociais, postava fotos em resorts de luxo. Apesar disso, teria sacado R$ 600 de auxílio emergencial. Ana alega que a lua de mel seria bancada por um prêmio que seu noivo ganhou de um banco onde trabalha. O noivo dela foi intimado a explicar o patrimônio e o inquérito teve prazo prorrogado.

Em Encantado, um terceiro retratado pelo GDI teve seu caso investigado por policiais. É o industrial Pedro Giordani, que teria se inscrito para receber R$ 600 do auxílio emergencial, apesar de, na época, ser dono de uma fábrica de placas, de uma moto, uma casa na praia e um barco. Ele foi indiciado pela PF por estelionato.

Contrapontos

O que diz José Paulo Schneider, defensor de Ana Paula Brocco e Rosângela de Freire Melo

A Rosângela reconhece que poderia ter agido diferente. Não era interesse dela prejudicar o erário. Por isso, devolveu o dinheiro. Já a Ana Paula entende que preenche os requisitos da lei e por isso não se propôs a devolver o benefício. Ela confia na defesa que fez no inquérito policial”.

O que diz Pedro Giordani

Os repórteres ligaram seis vezes para Giordani, sem serem atendidos. Foi também deixado recado a ele sobre o assunto, sem retorno.

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