A 1,4 mil quilômetros de Porto Alegre, em Campo Grande (MS), uma pensionista morta em 2008 "recebeu" valores até 2017. O prejuízo do IPE-Prev, atualizado, é de R$ 2 milhões.
Os responsáveis por sacar ilegalmente a pensão seriam uma filha e um genro da beneficiária. Eles teriam contado com ajuda de um médico para obter atestados que comprovariam que a mulher estava viva. A Polícia Civil do Estado indiciou os três por estelionato, associação criminosa e falsidade ideológica.
Os atestados foram enviados ao IPE-Prev em 2014, 2015, 2016 e 2017. De que forma a renovação do benefício foi feita antes disso, entre 2008 e 2013, período em que a pensionista já estava morta, o instituto não explica, sob alegação de que o caso segue em apuração interna.
O Grupo de Investigação da RBS (GDI) obteve documentos usados na fraude e descobriu detalhes de como o nome da pensionista foi utilizado. A defesa do médico Régis Albertini junto ao Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso do Sul (CRM/MS) sustenta que ele foi enganado, pois teria atendido uma mulher que se fez passar pela pensionista. Além disso, os atestados, conforme a advogada Rosa Luiza de Souza Carvalho, não são documentos que possam validar prova de vida, pois "neles não constam idade e características pessoais e podem ser usados por homônimos".
— São atestados simples de comprovação de atendimento de acupuntura. A pessoa que consultou os solicitou alegando precisar apresentar no trabalho voluntário que exercia. Esse não é o tipo de documento que serve para prova de vida. Como o IPE aceitou? A falha foi no instituto e meu cliente também foi enganado — diz Rosa.
O GDI teve acesso a atestados de consultas de 2014, 2016 e 2017. Embora não tenha verificado o atestado de 2015, a defesa do médico sustenta que também se tratava de simples comprovante de atendimento, sem qualquer declaração que pudesse servir de prova de vida a órgão previdenciário.
Conforme as alegações do médico, uma cliente antiga dele, Vânia Garcia Kloeckner, apareceu no consultório levando uma mulher que apresentou como sua irmã. Esta mulher usaria o nome da pensionista falecida, segundo a defesa de Albertini, e solicitou os atestados de atendimento. Vânia é filha da pensionista morta e, de acordo com a polícia, é suspeita de ter participado da fraude e sacado os valores com o marido, José Aquiles Kloeckner.
O médico, ao ser questionado sobre a irregularidade pelo CRM/MS, afirma ter feito contato com Vânia, sua paciente, que teria desligado o telefone e não o teria atendido mais. Ele já apresentou a documentação dos cadastros das duas pacientes — Vânia e a mulher que teria se identificado com o nome da pensionista — ao CRM, e espera para ser ouvido pela polícia.
Para reforçar a defesa de que seu cliente foi enganado nas consultas e nunca atendeu a verdadeira pensionista, a advogada destaca a discrepância de idades. A pensionista nasceu em 1915. Teria, em 2014, data da primeira consulta, 99 anos, e o médico alega que não atendeu uma pessoa com essa idade. Já a mulher que fez cadastro na clínica declarou ter nascido em 1943.
— No momento da consulta, se estivesse diante de uma pessoa de 99 anos, ele notaria o erro no cadastro e estranharia o pedido de atestado de consulta para justificativas junto a um suposto trabalho — afirma Rosa.
A advogada do médico está solicitando que o IPE-Prev que explique como a renovação do benefício ocorreu antes de 2014 e como um simples atestado de consulta serviu para validar prova de vida. Os atestados têm firma reconhecida por semelhança em serviço notarial de Campo Grande, ou seja, procedimento feito sem a presença do médico no cartório.
O GDI teve acesso a outros documentos que foram enviados ao IPE-Prev para sustentar que a pensionista estava viva: são declarações do genro de que a beneficiária morava com ele e com a filha Vânia no endereço registrado em contas de TV por assinatura.
A Delegacia de Repressão a Crimes contra a Administração Pública e Ordem Tributária já indiciou os três e emitiu carta precatória à Polícia Civil de Campo Grande para que eles sejam ouvidos. Os depoimentos ainda não ocorreram.
Contrapontos
O que diz José Aquiles Kloeckner
GaúchaZH fez contato com advogados de Kloeckner para pedir manifestação sobre as suspeitas, mas ele optou por não dar retorno.
O que diz Vânia Garcia Kloeckner
"Prefiro não me manifestar porque não fui notificada de nada, a polícia não falou comigo". Vânia alegou estar adoentada e, antes de desligar, negou ter sacado a pensão da mãe morta.
O que diz o IPE-Prev
Não dá detalhes sobre quais documentos foram usados para a renovação do benefício desde o falecimento da pensionista, sob alegação de que o caso está sendo investigado. Quanto a atestados médicos, Ari Lovera, diretor de Previdência de Benefícios e Investimentos, informou que atestados de consulta não têm valor como prova de vida. O atestado, para validar a renovação do benefício, deve conter dados completos da pessoa e declaração específica do médico de que a pessoa está viva, informou.