Um obelisco de granito de sete metros de altura, cujo topo abriga um ninho de joão-de-barro, desponta nos campos de Ponche Verde como garantidor da paz entre farroupilhas e imperiais, depois de quase 10 anos de guerra civil. Erguido em 1945, no centenário da pacificação, também é o testemunho de como o Rio Grande do Sul desejou voltar a fazer parte do Império do Brasil, assegurando a unidade nacional.
Curiosidades cercam o monumento. Historiadores conceituados informam que a concórdia ocorreu em 28 de fevereiro de 1845, quando o general farrapo David Canabarro assinou o tratado confiando na "palavra sagrada" e no "magnânimo coração" de dom Pedro II. Outros preferem o 1º de março de 1845, como está gravado na pedra do obelisco, quando o marechal Luís Alves de Lima e Silva, o Caxias, confirmou o acerto. A declaração do pacificador:
- Rio-grandenses! É sem dúvida para mim de inexplicável prazer o ter de anunciar-vos que a guerra civil, que por mais de nove anos devastou esta bela província, está terminada.
Possíveis imprecisões não se limitam a datas. O diretor do Museu Paulo Firpo (Dom Pedrito), Adilson Nunes de Oliveira, 65 anos, observa que o obelisco não teria sido construído no exato lugar da pacificação, que era numa baixada. Foi deslocado para um terreno mais alto, perto da estrada, para que ficasse mais visível e assomasse na vertiginosa horizontalidade do pampa.
- De qualquer forma, é um motivo de honra para Dom Pedrito, que ficou conhecida como a capital da paz - destaca Adilson.
Bolicheiro toca tango a clientes
Além da vigilância do operoso joão-de-barro, o obelisco tem um guardião: João Pedro Souza Rodrigues, 67 anos, dono de um bolicho perto do monumento. É uma vendinha humilde, com paredes feitas de leivas e cobertura de capim santa-fé, mas acolhedora. O que a identifica é uma antiga placa de propaganda - "Beba Fanta" - descolorida e com amassados.
Quem vê as prateleiras meio desfalcadas, não imagina as surpresas que o bolicho pode oferecer. Se gostar das maneiras do cliente, João Pedro tira um majestoso bandônion do baú e abre os foles para executar tangos e canções do gaúcho Luiz Menezes. Nesse momento, dizem, até os cavalos atados no palanque à espera dos donos que bebem um trago de cachaça escutam as músicas.
João Pedro ganhou o bandônion (fabricado na Alemanha) há 55 anos, do pai, Teodoro Souza, que era estancieiro apoderado mas perdeu tudo apostando em corridas de cavalo. Antes de falir, ordenou-lhe que jamais vendesse o precioso instrumento, comprado de segunda mão - teria circulado pelos cafés tangueiros de Buenos Aires.
- Depois que ficou pobre, meu pai teve de tirar mel do oco das árvores para alimentar os filhos - conta.
O filho quase seguiu a perigosa paixão de carreirista de cavalos do pai. Era jóquei - franzino, pesa 50 quilos -, mas acabou se encantando pelo bandônion. Aprendeu a tocar sozinho, ouvindo emissoras de rádio, as brasileiras e as castelhanas, pois o Ponche Verde está próximo ao Uruguai. Turistas e pesquisadores que visitam o obelisco compram refrigerantes e bolachas no bolicho, mas desconhecem o talento do comerciante.
- De tudo que é lado vem gente, até do estrangeiro - diz João Pedro.
Em setembro, nas comemorações pela Semana Farroupilha, aparecem romarias de cavaleiros. Grupos fazem tertúlias no lugar, cantando, bebendo e churrasqueando em honra aos farrapos.
Farrapo recusou beijar mão de dom Pedro II
Antes do acerto em Ponche Verde, os farroupilhas esforçaram-se para arrancar cláusulas honrosas ao tratado de paz.
Em 19 de novembro de 1844, o embaixador da República Rio-Grandense, Antônio Vicente da Fontoura, embarcou para o Rio de Janeiro para as negociações. As conferências começaram em 13 de dezembro.
Vicente da Fontoura era tosco para os salamaleques da Corte, vestia-se em desacordo com a moda. No seu diário, registrou "uma indiferença ridícula e um orgulho tolo" por parte dos ministros imperiais, que mal disfarçavam o risinho ao ver o caipira. Mas os cortesãos logo foram obrigados a mudar de postura.
Na tentativa de seduzirem o visitante, os ministros acenaram com uma audiência especial a ser concedida por Dom Pedro II. Mas Vicente da Fontoura atalhou com sua rude diplomacia. Argumentou que respeitava a autoridade do jovem monarca, mas que não poderia beijar sua mão por não ser um súdito do Império. Representava uma nação independente.
O embaixador quase blefava. Sabia que desde a chegada de Luís Alves de Lima e Silva ao Rio Grande do Sul - assumiu a presidência (governador) e o comando militar em novembro de 1842 - a rebelião estava com os dias contados. O Barão de Caxias (depois foi duque) dispunha de 20 mil soldados, enquanto os farrapos estavam reduzidos a mil homens em armas. Por outro lado, esgrimia com um trunfo: o Império precisava da província insurgente para deter a cobiça dos vizinhos espanhóis. Não haveria melhores sentinelas.
Dez palcos da Guerra dos Farrapos
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