O local onde o coronel Antônio de Souza Netto proclamou a independência do Rio Grande do Sul, há 176 anos, é uma várzea perdida no pampa, tomada por gravatás, cupinzeiros, tocas de tatu, carquejas e chircas onde espreita a temível víbora urutu-cruzeiro. Não há nenhum marco assinalando a efeméride do separatismo, a não ser as águas do Rio Jaguarão, que seguem no mesmo rumorejo desde que testemunharam os farroupilhas darem vivas à nova república.
Em 11 de setembro de 1836, entusiasmado com a vitória do dia anterior sobre o imperial João da Silva Tavares no Seival (atual município de Candiota), Souza Netto recolhe-se ao Campo dos Menezes, a oito quilômetros de distância. Quer meditar, não lhe passa pela cabeça tomar a grave decisão sem consultar o chefe máximo, o general Bento Gonçalves. No entanto, acaba cedendo aos apelos de dois exaltados revolucionários, Manoel Lucas de Oliveira e Joaquim Pedro Soares.
Postado às margens do Rio Jaguarão, onde ele ainda é estreito, tendo de um lado uma franja de mata, de outro coxilhas encadeadas, Souza Netto, aos 35 anos, manda perfilar a tropa - em torno de 400 soldados. Então, lança o brado que incrustou o separatismo na identidade dos gaúchos.
- Camaradas! Gritemos pela primeira vez: Viva a República Rio-Grandense! Viva a Independência!
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Atualmente, há planos para demarcar o Campo dos Menezes - o nome é referência ao antigo proprietário da área, Joaquim Menezes. O presidente do Núcleo de Pesquisas Históricas Seival (NPHS), Heitor Ferreira, 54 anos, busca o tombamento como patrimônio cultural. Depois, pretende erguer um monumento para eternizar a data em que o Rio Grande do Sul resolveu ser independente.
- Aqui nasceu um país. É o lugar mais importante da Revolução Farroupilha - destaca.
O NPHS também está empenhado em localizar os restos mortais dos farrapos e imperiais que tombaram no Seival, o qual encaminhou a proclamação da república no Campo dos Menezes. Ferreira calcula 185 baixas. É provável que a maioria tenha sido sepultada de improviso, principalmente os desprovidos de dragonas e alamares.
Naquele 10 de setembro pré-independência, Souza Netto trava um confronto imprudente contra os imperiais. Arremete coxilha acima e com 70 homens a menos, em dupla desvantagem. Na hora do ataque, incentiva:
- Camaradas, não quero ouvir um tiro! Seja a carga à espada e à lança!
Os farrapos vencem, entre outros motivos, porque o comandante imperial Silva Tavares é vítima de um imprevisto: perde o controle da montaria quando se rompe a articulação de couro - a cabeçada do arreio - que prende o freio à boca do animal. Como o cavalo sai em disparada, Tavares mal se equilibrando nos estribos, as tropas se desorientam, muitos debandam, o que facilita a vitória rebelde.
Vestígios da batalha são encontrados
Ferreira tem outros motivos para acreditar na existência de ossadas no Seival. Ao realizar pesquisas no campo, encontrou vestígios da batalha por acaso: uma baioneta, um cano de pistola e um espadim inteiro. As peças estão guardadas para o futuro museu.
No povoado do Seival, que foi esquecido desde que o trem deixou de apitar na estação ferroviária, casarões estão ruindo, mas a memória sobre os episódios da guerra civil permanece. Vestido de bombacha e alpargatas de couro, Arthur Etcheverria, 74 anos, diz que o assunto é comentado entre os moradores.
Não apenas os velhos, saudosos da época em que Getúlio Vargas se hospedou no Seival para descansar dos solavancos do trem, lembram a façanha de Souza Netto. Thalys Buck, 12 anos, monta no cavalo de pelagem clara chamado Tic-Tac para ajudar na condução da chama crioula durante a Semana Farroupilha.
- Sei o que houve no Campo dos Menezes - orgulha-se o menino.
Dez Palcos
Nasce um país no Campo dos Menezes
Foi às margens do Rio Jaguarão, no Campo dos Menezes (Candiota), que cerca de 400 farroupilhas ouviram o grito de independência do Rio Grande do Sul. Coube a Antônio de Souza Netto proclamar o separatismo, em 11 de setembro de 1836
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