Dos desastres climáticos decorrentes da chuva, a região Sul é campeã nacional em pedidos de socorro público por parte dos municípios atingidos, com 7,6 mil decretos por enchentes, tormentas e ventos (17% do total), seguida da região Sudeste (11% do total). Já no ranking dos Estados, o Rio Grande do Sul ocupa o segundo lugar, com 2,7 mil decretos baixados por situações desse tipo na última década, 14% do total de pedidos, atrás de Santa Catarina, com 4,1 mil decretos similares. O levantamento é da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e abrange o período entre 2013-2023.
Conforme o estudo Panorama dos Desastres no Brasil, da CNM, nesses 10 anos, desastres naturais causaram um prejuízo de R$ 639 bilhões aos municípios brasileiros. O levantamento indica ainda 94% dos 5.568 municípios brasileiros foram afetados por algum tipo de anormalidade entre 2013 e 2023. Além de seca e chuva, são contabilizados também problemas com doenças, como a covid-19, que foi considerada calamidade sanitária em 26% das cidades brasileiras.
Dos R$ 639 bilhões de prejuízos em geral causados por desastres naturais na última década, a região Sul foi a que mais sofreu, com 40,3% do total de danos infraestruturais (cerca de R$ 257 bilhões). Ela também responde pela maior parte dos prejuízos causados por chuvas, especificamente (34,7% do total, cerca de R$ 66 bilhões).
De 2013 a 2023, 64,7 mil decretos sobre desastres naturais foram elaborados (situações de emergência ou de calamidade pública). Os referentes a chuvas são 18,9 mil (29% do total). Esses decretos de desastre natural servem para que os estados e municípios possam solicitar ajuda para atrair recursos extras para reabilitação de áreas afetadas e apoio contra doenças.
As vantagens do decreto relativo a desastre
Os decretos relativos a desastres permitem ao poder público agilizar providências. Isso acontece por meio da dispensa de licitações, para acelerar compras vitais para sanear os problemas emergenciais (desde que o objeto da contratação direta seja o meio adequado, eficiente e efetivo de afastar o risco iminente detectado). Outra peculiaridade: no ano em que se realiza eleição, via de regra é proibida a distribuição gratuita de bens ou valores por parte da Administração Pública - mas essa regra não vigora nos casos de calamidade pública e estado de emergência, quando o gestor pode disponibilizar benefícios.
—No entanto, essas flexibilizações devem ser acompanhadas de mecanismos robustos de transparência e controle para evitar abusos e fraudes. Um ponto positivo é a exigência de publicação de todos os contratos e aquisições no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) em até 60 dias após a contratação — analisa o especialista em Direito Público, concessões e PPPs, Mateus Klein, do escritório MFKlein Advogados.
A principal diferença entre os dois tipos de decreto é quanto à gravidade do problema. Situação de emergência é quando o comprometimento da estrutura do município é parcial, com prejuízos basicamente materiais. Já o estado de calamidade é decretado frente a danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido, muitas vezes com risco ou perda de vidas. O reconhecimento dos decretos dos municípios precisa ser feito pelos governos estadual e federal. A CNM informa que o governo federal repassou nesses 10 anos cerca de R$ 3 bilhões para proteção e defesa civil nos municípios, apenas 32% do valor prometido.
Corredor propício a desastres climáticos
Engenheiro ambiental, doutor em recursos hídricos e professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH), Fernando Fan diz que não existe surpresa no fato de a região Sul do Brasil (com destaque para o Rio Grande do Sul) figurar como a com maior número de decretos por desastres relacionados a chuvas. Ele calcula que é registrada, em média, uma grande cheia ou enxurrada por ano, nas duas últimas décadas. Fenômenos que trouxeram prejuízos para alguma localidade do Estado. Ou seja, é uma região onde verifica-se quase anualmente problemas causados por chuvas e cheias.
Parte disso se deve à crescente ocupação de áreas de perigo, como encostas ou áreas inundáveis próximas de rios, acrescenta Fan. Quanto mais pessoas se expõem ao perigo, maior o risco, adverte ele. O especialista salienta que estudos recentes também têm indicado que existe uma aceleração do ciclo hidrológico, o que tende a aumentar mais ainda a ocorrência de eventos extremos de chuvas na Região Sul do Brasil, mais que em outras partes do país.
— Finalmente, o que surpreende neste dado deste cenário de décadas é o pouco investimento dos governos em todas as esferas na prevenção de desastres no Rio Grande do Sul. Como indicador eu posso citar, por exemplo, que no último edital de pesquisas em eventos climáticos extremos do CNPq, na linha de pesquisa em prevenção de inundações, nenhum dos seis projetos contemplados foi de instituições gaúchas para desenvolver tecnologias para o RS. Justo aquelas que têm, com seus parcos recursos, gerado informações como mapas, previsões e documentos guia para a sociedade neste momento de crise.
Presidente da CNM, o gaúcho Paulo Ziulkoski admite que o fato de a Região Sul responder por quase 1/5 dos desastres relacionados a chuvas (tormentas, ventos, enchentes) está relacionado ao fato de ser uma confluência de contrastes climáticos. Inclusive, muito afetada pelo El Niño, que provoca chuvaradas nesse ponto do Brasil. Ziulkoski se mostra mais contrariado é com a resposta governamental aos danos. Entre janeiro de 2013 e dezembro de 2023, calcula a CNM, os desastres causaram R$ 639,4 bilhões de prejuízos em todo o Brasil. Mas a União destinou apenas R$ 3 bilhões para ações de gestão de riscos de desastres, nesse período. Ou seja, 0,5% dos prejuízos contabilizados ao longo de 11 anos.
— É um país com zero de prevenção. Por isso, a CNM endossa uma proposta de emenda constitucional para criar a autoridade nacional para gestão do clima no Brasil. Isso seria viabilizado por um fundo constitucional, composto de 3% sobre a arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda. Desses 3%, municípios e Estados contribuiriam com 1,5% e União, com 1,5%. Isso resulta em R$ 30 bilhões por ano, para termos efetivos. É medida concreta. Queremos também criar um consórcio nacional de municípios para trabalharmos em rede para criar estruturas de defesa civil em cidades que não têm esse aparato bem organizado — conclui Ziulkoski.