A chuva do final de semana ainda foi insuficiente para amenizar todo o quadro de estiagem enfrentado no Rio Grande do Sul. Até esta segunda-feira (23), 141 municípios gaúchos decretaram situação de emergência, segundo a Defesa Civil. Destes, 53 já foram homologados pelo Estado e 42 foram reconhecidos pela União. O número ainda pode aumentar.
Para o diretor-técnico da Emater, Alencar Paulo Rugeri, as chuvas irregulares e com volume não uniforme são o grande problema da estiagem deste verão, que começou mais cedo, com os primeiros reflexos ainda em novembro do ano passado.
— Temos um período difícil e o pior é que nós continuamos em estiagem. Estamos diante desse cenário nada confortável para o setor primário — salienta Rugeri, em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade.
O especialista ressalta que a chuva precisa voltar a manter uma regularidade. Do contrário, os prejuízos dificilmente serão revertidos.
— O retorno da chuva dá um alento, então ela tem de vir. A nossa ansiedade é que ela não ocorre. A chuva foi totalmente desuniforme durante o final de semana. É essencial o retorno para que se possa interromper as perdas.
Rugeri explica que medidas para prevenir as consequências da estiagem, como mexer na fertilidade e na compactação no solo, levam tempo. A irrigação, que é a melhor alternativa, esbarra na dificuldade de implantação pelos produtores rurais.
— Temos de ter uma estratégia de irrigação, porém é uma área muito grande para dizer: "vamos irrigar todo o Estado" — esclarece.
Segundo o diretor-técnico, é preciso ter energia disponível, crédito e água, além de disponibilidade de equipamentos para fazer a irrigação. Há casos observados pela Emater em que o produtor tem água, mas não tem energia, por exemplo. Além disso, nem todos têm acesso ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), um seguro rural que pode minimizar os impactos negativos.
De acordo com a Emater, a região de Santa Maria enfrenta as maiores dificuldades na agricultura, seguida pelas áreas de Ijuí, Santa Rosa e Frederico Westphalen, que começam a ter prejuízos maiores. Rugeri destaca a situação dos Campos de Cima da Serra, que apresentam pontos melhores do que o inicialmente previsto.
Com relação à falta de água, a Emater estima que cerca de 6 mil produtores estão com dificuldade de abastecimento no Estado, com casos de pouco estoque ou problemas na qualidade.
Ouça entrevista na íntegra:
Bacias hidrográficas em alerta
O informativo divulgado nesta segunda-feira (23) pela Sala de Situação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) aponta que 12 bacias hidrográficas estão em alerta para a estiagem devido ao baixo nível dos rios.
O número aumentou em relação à semana passada, quando 10 bacias estavam nesta situação. No dia 9 de janeiro, eram 13.
Em relação à última semana, voltaram a figurar na lista as bacias Taquari-Antas e Apuaê-Inhandava. Continuam em alerta as bacias do Caí, Sinos, Gravataí, Baixo-Jacuí, Ibicuí, Negro, Baixo Uruguai, Quaraí, Santa Maria e Camaquã.
O hidrólogo Pedro Camargo, da Sala de Situação, explica que a pouca chuva registrada no Estado quase não altera a situação nas bacias. A precipitação é considerada o principal fator de impacto nos rios.
— Esse nível de alerta é um nível bem crítico. Não necessariamente há problema para captar água, mas, se elas ficam várias semanas nesse nível, isso pode acontecer — explica.
As bacias Santo Ângelo, Médio Uruguai, Guaíba e Mirim-São Gonçalo estão em situação de atenção, considerada menos grave.
Segundo o prognóstico meteorológico divulgado pela Sema, as chuvas seguem irregulares e com volumes pouco expressivos nesta semana no Rio Grande do Sul. Até quarta-feira (25), área de baixa pressão atmosférica, aliada ao calor e à umidade, favorece a formação de instabilidade e temporais isolados em pontos da metade norte, faixa leste e fronteira com o Uruguai. Já na quinta e na sexta, a instabilidade atua sobre todas as regiões.
A Sema destaca as temperaturas elevadas em todo o Estado, superando os 35ºC na maioria das regiões e atingindo a marca dos 40ºC no Centro-Oeste e Noroeste, o que pode agravar a condição da estiagem.
— Não temos perspectiva de uma melhora considerável, porque não há previsão de volumes elevados de chuva. Precisaria de uma chuva muito significativa para alterar a situação das bacias, então vamos com este problema por pelo menos um mês — alerta o hidrólogo.
Prefeituras calculam prejuízos
A prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas, reforçou que vários fatores levaram o município a decretar situação de emergência.
— As perdas chegam a mais de R$ 115 milhões, sendo que a cultura mais atingida é o milho, com 60% de perdas. Algumas outras culturas, como a do arroz, têm por enquanto 7% de perdas, e se levar ainda 15 dias, estima que possa chegar a 30%. Tudo isso causa um abalo muito sério na economia do município — frisa a prefeita.
Mascarenhas comenta que o município teve um déficit de 200 milímetros de chuvas entre setembro e dezembro do ano passado. O resultado de janeiro ainda não foi consolidado, mas ela adianta que se agravou ainda mais.
Atualmente, a principal fonte de abastecimento de Pelotas, que é a barragem Santa Bárbara, está 1m80cm abaixo do nível normal. Segundo Mascarenhas, na pior seca da cidade, em 2020, esse índice chegou apenas no final de fevereiro.
Além disso, a prefeitura está atendendo 3,2 mil famílias com caminhões-pipa, sendo que cerca de 400 estão na zona rural. Também há um decreto que restringe o uso de água, pedindo a conscientização da população.
Na Região Central, o prefeito de Tupanciretã, Gustavo Terra, disse o programa Faixa Especial que o cenário atual é bastante complicado, com a maioria dos reservatórios já sem água. No ano passado, a prefeitura fez 480 bebedouros e açudes com recursos próprios e recebeu 12 do governo do Estado. Nesse ano, foram aproximadamente 40 açudes.
— É um cenário dramático. E interessante que a gente abre o açude, só que não tem água para represar. Então a gente faz o açude e ele segue seco. Estamos abastecendo água potável para mais de 30 famílias e o gado está emagrecendo diariamente. Vai afetar a natalidade do ano que vem, e afeta a oferta de boi gordo daqui a três anos — explica Terra.
O prefeito estima que o milho sequeiro teve perda de 100% e o milho irrigado por reservatório poderá não ter água suficiente para cumprir o ciclo da cultura.
— O processo de irrigação aumenta o custo de produção e aí tu tens uma lavoura mais cara do que o normal e que, no momento em que mais vai precisar da água, que é na polinização, falta. É muito triste o que nós estamos vivendo aqui nessa região — lamenta o prefeito de Tupanciretã.