O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) autorizou a instalação de uma estátua gigante de Nossa Senhora Aparecida na cidade de Aparecida, no interior de São Paulo. A obra estava embargada desde 2019 por decisão judicial, após ação de uma entidade que representa ateus questionar o investimento de dinheiro público em monumento de cunho religioso. A escultura foi feita pelo artista plástico Gilmar Pinna e doada à cidade em homenagem aos 300 anos da padroeira do Brasil, transcorridos em 2017.
Desde que foram transportadas até Aparecida e sofreram o embargo, as quatro partes da escultura, em aço inoxidável, ficaram abandonadas e sofreram depredação. O plano do município era instalar a imagem gigante no final do eixo turístico, na margem do Rio Paraíba do Sul. A prefeitura chegou a elaborar um projeto da praça que abrigaria o monumento.
A cidade abriga o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, principal destino do turismo religioso no país. Com o pedestal, a escultura atinge 50 metros de altura, maior que o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, e o Cristo Protetor, de Encantado.
Na época, a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) entrou com ação alegando que, por ser o Brasil um estado laico, não poderia haver investimento de recurso público em benefício de uma religião, no caso, a católica. Ao contestar a ação, o município alegou que a economia da cidade depende do turismo, que seria incrementado com a instalação do monumento.
O argumento da associação foi acatado pelo juízo de primeira instância, que também mandou retirar outras cinco esculturas com motivos religiosos de Pinna, instaladas em rotatórias da cidade. A prefeitura e o escultor entraram com recurso.
Em decisão dada no último dia 9 e divulgada nesta quarta-feira, 16, o TJ revogou a decisão, permitindo que a escultura seja erguida. Conforme o desembargador Ponte Neto, a cidade tem como principal atrativo econômico o turismo religioso e, ao permitir e investir em obras para atrair mais turistas, a economia local será fomentada, melhorando a qualidade de vida dos moradores. Ele também se referiu ao valor artístico da escultura. O tribunal autorizou ainda a reposição das outras obras retiradas da cidade.
Pinna comemorou a decisão do TJ:
— Fiquei feliz com o entendimento de que se trata de uma obra de arte — disse.
Ele lamentou que, durante a pandemia, as partes da escultura sofreram vandalismo.
— Arrombaram um contêiner e furtaram o rosário de Nossa Senhora, inclusive o crucifixo, uma peça de três toneladas de aço inoxidável — o artista espera fazer parceria com a iniciativa privada para recuperar e montar a escultura, que também sofreu pichações.
A Atea lamentou a decisão do TJ por contrariar o princípio da laicidade do Estado, consagrado pela Constituição brasileira. Após ser notificada da decisão, a associação decidirá se vai entrar com recurso.
Prefeitura quer realizar PPP para viabilizar montagem
O prefeito de Aparecida, Luiz Carlos Siqueira (MDB), disse que a decisão do TJ reconhece que é um polo de turismo religioso e é depositária da fé do povo brasileiro por abrigar o santuário da padroeira do Brasil.
— Nós somos a capital mariana (referência à Maria, mãe de Jesus, segundo a religião católica) e recebemos até 13 milhões de peregrinos por ano. De acordo com a Constituição Federal, o poder público é laico e as administrações devem ser conduzidas com espírito laico, mas, no entendimento dos julgadores, Aparecida é diferente, pois toda a movimentação é voltada à institucionalização da padroeira, nossa mãe Aparecida — disse.
O prefeito disse que, embora a decisão do TJ não seja definitiva, pois ainda pode haver recurso, a prefeitura pretende realizar uma parceria-público-privada para a montagem da estátua.
— Já pedi ao escultor Gilmar Pinna um laudo de engenharia estrutural para que a gente possa fazer a montagem. O artista acredita que até 12 de outubro, o dia da padroeira, será possível montar a estátua. Eu prefiro não falar em prazo, mas a prefeitura fará todos os esforços para ter a imagem erguida o quanto antes. Nossa cidade existe por conta da devoção à Nossa Senhora Aparecida.
A imagem será instalada em um dos pontos turísticos mais emblemáticos da cidade, no Porto Itaguaçu, à margem do Rio Paraíba do Sul. É o local mais próximo do ponto em que a imagem de Nossa Senhora Aparecida foi encontrada em 1717. A área que vai abrigar a praça com o monumento foi doada ao município. Comerciantes da cidade defendem o novo atrativo.
Sobre o furto de peças da imagem, Siqueira disse que a segurança na cidade foi reforçada.
— Estamos melhorando a segurança com a instalação de cabines de monitoramento em tempo real nas praças. O projeto está em fase experimental, mas já estamos tendo resultados.
O escultor Gilmar Pinna disse que economizou recursos e acumulou material durante 30 anos para fazer e doar a escultura de Nossa Senhora para Aparecida. Ele destaca que, se fosse fazer hoje em dia, a obra custaria R$ 8 milhões. O artista também lamenta que tenha sido necessário entrar com recurso no Tribunal de Justiça para que fosse reconhecida como obra de arte.
— Há cinco anos eu tinha voltado dos Estados Unidos e tinha todo o dinheiro e o material para concluir a obra, mas aí a Justiça me barrou e logo em seguida veio a pandemia, então não teve mais como concluir. Espero que possa conseguir apoio de empresas que possam doar mais material ou que fiéis possam colaborar de alguma forma, pois tudo está 70% pronto. Esse trabalho é uma promessa minha — desabafa Pinna.
O artista disse que suas obras sacras são "perseguidas" por entidades não religiosas.
— Há esculturas de santos de 30, 40 metros em todo o Brasil e ninguém embarga. Talvez por ser um artista conhecido, eu já tive várias esculturas embargadas — reclamou. Ele contou que uma escultura de São Sebastião com cerca de 40 metros feita para ser instalada no município do mesmo nome, no litoral norte de São Paulo, também foi barrada por ação judicial.
— Precisei alugar um terreno aqui em Guarulhos, onde fica meu ateliê, para colocar as peças. São 30 carretas de peças que estão aqui paradas — contou.