A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ-RS), por dois votos a um, decidiu referendar o habeas corpus em favor de Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos, os quatro condenados em tribunal do júri pela tragédia da Kiss.
Apesar da decisão, emitida após julgamento que se iniciou na quinta-feira (16) e terminou na tarde desta sexta-feira (17), eles irão permanecer presos porque o despacho dos desembargadores foi declarado, pelos próprios magistrados na maioria dos seus votos, sem efeito. Com isso, não foram expedidos alvarás de soltura e as penas continuarão,ao menos por enquanto, sendo executadas em regime fechado. O TJ-RS confirmou, via assessoria de imprensa, que haverá a manutenção das prisões.
O resultado foi influenciado decisivamente pela atuação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, em uma história que já acumula idas e vindas. Na noite de quinta-feira (16), Fux acatou pedido do Ministério Público (MP) e sustou os efeitos de “eventual concessão de habeas corpus, (...) reiterando a determinação de cumprimento imediato das penas atribuídas aos réus”.
Quando Fux emitiu essa decisão, sabia-se nos bastidores que o placar da sessão da 1ª Câmara Criminal estava em dois votos a favor de conceder a liberdade aos quatro réus da Kiss. Isso já era suficiente para garantir a soltura na análise de mérito do habeas corpus.
Faltava apenas um voto, que ficou para esta sexta, e Fux publicou uma decisão na noite anterior: a pedido do MP, ele se antecipou e sustou os efeitos de eventual medida de liberdade a ser confirmada nas horas que estavam por vir pelos três desembargadores da 1ª Câmara Criminal.
Votos dos desembargadores
Diante da determinação superior, dois desembargadores citaram o presidente do STF como causa para os seus derradeiros votos.
O desembargador Honório Gonçalves da Silva Neto julgou que, devido ao ato de Fux, o julgamento do habeas corpus estava “prejudicado”.
“Contudo, produzem efeitos, tão-somente, liminares concedidas e sentenças proferidas. E, na hipótese vertente, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ao que se depreende, em virtude de tomar conhecimento do teor dos votos de dois dos desembargadores, sustou, antes de ultimado o julgamento, os efeitos de eventual decisão proferida por esta câmara criminal, então inexistente, o que consubstancia verdadeira avocação da causa”, redigiu Silva Neto.
Já o desembargador Jayme Weingartner Neto manteve a decisão de conceder o habeas corpus em favor dos condenados, pelas suas liberdades, mas registrou que a medida tornava-se sem efeito em decorrência do despacho de Fux.
“No apagar das luzes do meu voto, quando ainda refletia sobre o tema, no aguardo da manifestação do desembargador Honório, que sinalizava estar a elaborar seu voto, soube, já adentrada a noite e pela mídia, de nova decisão do ilustre ministro Luiz Fux, ratificando a anterior liminar deferida em 14 de dezembro de 2021 e deferindo nova postulação do Ministério Público para sustar os efeitos de eventual concessão deste habeas. (...) Inócuas, nos efeitos, minhas razões”, sentenciou.
Por fim, o desembargador Manuel José Martinez Lucas, relator do caso na 1ª Câmara Criminal, decidiu manter a medida e conceder em definitivo o habeas corpus, apesar da manifestação de Fux. Contudo, o voto de Lucas, no colegiado de três desembargadores, não foi suficiente para produzir o placar necessário para a soltura dos réus.
Foi a segunda vez que Fux, provocado pelo MP, atuou para determinar a execução das penas. Na primeira vez, na terça-feira (14), ele cassou uma liminar que concedia liberdade aos quatro réus da Kiss após o término do tribunal do júri.
Na base argumentativa, Fux pontua que o Código de Processo Penal permite que os réus condenados no tribunal do júri passem à imediata execução da pena quando as sanções forem iguais ou superiores aos 15 anos de reclusão. Os quatro da boate Kiss se enquadram nesse quesito por terem sido sentenciados a reclusões que variam entre 18 anos e 22 anos e seis meses.
Já os desembargadores da 1ª Câmara Criminal pontuam que há entendimentos diversos, que as distintas interpretações estão em discussão nos tribunais superiores e que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem jurisprudência no sentido de rejeitar a execução das penas após o tribunal do júri. São feitas referências ao direito de esgotar os recursos antes de eventual prisão, ou seja, a execução da penalidade somente após o trânsito em julgado na última instância possível.
O desembargador Lucas disse, em seu voto, que há exceção legal à norma que permite efetuar a prisão imediata após o júri. Ele ainda classificou a medida como “draconiano preceito”.
A pedido da reportagem, o advogado criminalista Lúcio de Constantino analisou o acórdão da decisão da 1ª Câmara Criminal e explicou o significado:
— Os desembargadores do TJ-RS concederiam a liberdade, mas isso ficou prejudicado pela decisão do ministro Fux, desta vez reformando uma decisão que os magistrados dariam ao mérito da questão. Por isso, restou prejudicado o julgamento.
Em despacho publicado no fim da tarde desta sexta-feira, o juiz Orlando Faccini Neto reiterou que não havendo determinação expressa para sua liberação, os réus devem permanecem presos. Ele também afirmou que recebeu o recurso de apelação dos réus, que seguirá para o TJ-RS.
Entenda as decisões jurídicas
10 de dezembro, sexta-feira
- Réus da Kiss são condenados no júri, e juiz Orlando Faccini Neto determina recolhimento à prisão para imediato início de execução da pena
- Enquanto Orlando Faccini Neto lia a sentença em plenário, o desembargador Manuel José Martinez Lucas, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ-RS), expediu liminarmente um habeas corpus preventivo para impedir a prisão dos acusados. O pedido foi feito pela defesa de Spohr, mas o desembargador Lucas, ao conceder, estendeu seu benefício aos demais
14 de dezembro, terça-feira
- Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux acata recurso do Ministério Público e suspende os efeitos da liminar do desembargador Lucas. Fux entendeu que a legislação em vigor permite o início imediato da execução da pena para condenados a 15 anos ou mais de prisão no tribunal do júri, caso dos réus da Kiss
- A partir disso, os quatro condenados se apresentam para serem recolhidos a presídios
16 de dezembro, quinta-feira
- Tem início a sessão da 1ª Câmara Criminal do TJ-RS em que seria analisado o mérito do habeas corpus concedido liminarmente aos quatro condenados da boate Kiss. Até a noite, dois desembargadores haviam votado por referendar a medida e conceder a soltura. Faltava apenas o voto do desembargador Honório Gonçalves da Silva Neto, que ficou para esta sexta-feira (17)
- O Ministério Público recorreu novamente ao presidente do STF, Luiz Fux, e ele emitiu decisão, desta vez atacando o mérito do caso, determinando que estavam sustados os efeitos de eventual habeas corpus a ser concedido pela 1ª Câmara em favor dos réus. Reafirmou a manutenção do cumprimento das penas
17 de dezembro, sexta-feira
- Por dois votos contra um, a 1ª Câmara Criminal do TJ-RS concede habeas corpus aos réus, mas os próprios desembargadores entendem que a medida tornou-se sem efeito após o despacho de Fux. Por isso, condenados seguiram presos