A tarde do derradeiro dia de júri dos acusados pela morte de 242 pessoas no incêndio da boate Kiss começou com a explanação da defesa dos quatro réus. Foram momentos em que os advogados tentaram convencer os jurados de que seus clientes jamais tiveram a intenção e nem a noção de que poderiam causar a tragédia.
A primeira a falar foi a advogada Tatiana Borsa, defensora de Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, que disparou ao artefato luminoso que causou o incêndio. Ela argumentou que Marcelo jamais imaginou que poderia acontecer a tragédia:
— Quando que um músico entra num lugar e olha para ver se está tudo bem? Não sejam responsáveis por condenar e fazer uma injustiça, como quer o MP, pedindo a condenação de um sujeito humilde, como o Marcelo de Jesus. É muito fácil chegar e falar aqui, depois do que aconteceu.
Tatiana também repudiou a exibição de imagens dos jovens mortos na Kiss, em posições agonizantes em frente à boate, mostradas pela promotora Lucia Callegari. A advogada disse que a promotora não poderia ter mostrado o vídeo, porque aquilo não é Santa Maria:
— Os pais não mereciam isso. Falta de respeito, causa dor mostrar esses jovens lindos, vestidos para festa e que não vão voltar mais. Para que isso?
Tatiana acrescentou:
— Acredito na Justiça, acredito em vocês. E Justiça é absolver o Marcelo. Vocês vão ter de decidir: Marcelo saiu de casa para matar? Saiu de casa sabendo que poderia causar um acidente? Que haja o que houver, dê no que der? Ou não sabia de nada disso? Foi um acidente, respondo! Ele estava lá dentro, não sabia que não podia usar o artefato. Pensem nisso — reforçou.
Mário Cipriani, advogado de Mauro Hoffmann (ex-sócio da Kiss), disse que os promotores foram desafiados a trazer uma prova de que seu cliente sabia detalhes das obras feitas na boate.
— Desafiei a que trouxessem uma prova. Meia prova. Qualquer indício. Não veio. O júri serve para que a promotora de mil júris faça sua apresentação. Agora ela já virou a promotora de mil e um júris.
Ele falou também que a lista de vítimas tinha nomes duplicados, inseridos no inquérito sem que as testemunhas fossem ouvidas.
— É uma farsa esse dolo eventual, uma faca sem fio que perdeu o cabo feita para dar satisfação à opinião pública — pontuou Cipriani.
O advogado Jean Severo, defensor de Luciano Bonilha Leão (produtor da banda, o homem que comprou o artefato luminoso que incendiou o teto da boate), disse que o promotor David Medina inventou uma modalidade de dolo para vender livro. E pediu a cada um dos réus que se levantasse e começou a nominá-los:
— Mauro, tu montaste uma boate para matar pessoas? Tu também, Kiko? Luciano, tu e o Marcelo saíram de casa para incendiar a casa noturna? Aniquilar 242 pessoas? Saíram para trabalhar. Mostrem pros jurados, olhando nos olhos. Eu peço absolvição para o Luciano", diz Jean. "Mas se quiserem condenar, que condenem da maneira correta, na desclassificação — conclamou.
Último a falar, o advogado Jader Marques, da defesa de Elissandro Spohr, o Kiko, outro sócio da Kiss, procurou descaracterizar a tese de dolo eventual apontada pelo Ministério Público:
— Condenem qualquer um deles pelo certo, e o certo não é dolo.
Marques apontou o que considera responsabilidade de outros agentes públicos, como bombeiros, prefeituras e Ministério Público, indiciados pelo inquérito da Polícia Civil, mas que não foram denunciados pela promotoria para o tribunal do júri.
— Esse seria o correto, agentes públicos respondendo ao lado dos particulares, assumindo "eu dei PPCI quando eu devia investigar melhor, eu fiz inquérito civil e TAC quando eu devia ter levantado da cadeira e ido lá" — afirmou.
Marques disse que não pedia a absolvição de Spohr, mas a retirada do dolo.