Pelo menos 52 ações judiciais protocoladas na Justiça, em 10 municípios gaúchos, usam documentos falsos para buscar do banco Santander supostas perdas de rendimento da poupança provocadas por planos econômicos. Reportagem da RBS TV entrevistou vítimas, peritos e autoridades para desvendar a fraude.
Os processos foram ajuizados por um advogado, que alega ter terceirizado a coleta de clientes e documentos. Examinadas isoladamente, as ações podem não levantar suspeitas. Mas quando comparadas, as fraudes ficam evidentes.
É o caso de quatro cópias de carteiras de identidade anexadas a quatro ações. São de pessoas diferentes, mas todas com exatamente a mesma imagem, o que é impossível. Todos aparecem como autores de ações judiciais que buscam perdas da poupança.
Em Passo Fundo, o aposentado Mario Mohr Bueno, 64 anos, diz ter ficado surpreso ao ver o nome dele em um dos processos.
— Fiquei sabendo hoje, nem ideia eu tinha, nem imaginação. Fiquei sabendo agora. Até mesmo a foto e a assinatura não condizem comigo — afirmou.
As 52 ações com documentos falsos tramitam em Arroio do Meio, Camaquã, Canoas, Casca, Erechim, Guaporé, Marau, Passo Fundo, Porto Alegre e Tapejara. O pedido judicial em todas elas apresenta exatamente o mesmo texto, apresentado pelo mesmo advogado.
Há até o caso de uma pessoa morta há 15 anos, em Passo Fundo, cuja assinatura aparece em uma procuração para o defensor em janeiro de 2021.
Comprovantes de residência, como faturas de TV por assinatura e de energia elétrica, também foram falsificados, como assegurou à RBS TV o perito Oto Rodrigues. São boletos idênticos, mas com nomes e endereços diferentes. Em Marau, no norte do Estado, a Justiça já identificou fraude em dois processos, comunicando o caso à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
— É evidente que temos que estar atentos a isso. Os magistrados têm treinamento para identificar esse tipo de fraude — observa o presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça do Estado, Antônio Vinícius Amaro da Silveira.
Além de detectar a fraude, a Justiça de Marau também se pronunciou sobre os pedidos de reposição de perdas na poupança por causa dos planos econômicos. Os clientes, mesmo se quisessem, não teriam direito aos percentuais propostos pelo advogado.
Por telefone, o advogado Neuceri Nardi, que assina as ações, se defendeu e disse que a busca por clientes e a coleta de documentos foram feitas por uma empresa terceirizada, a Ello Consultoria. Nardi registrou ocorrência na Polícia Civil, acusando a Ello de fraude.
No contrato assinado entre o advogado e o dono da consultoria, Rodrigo Cegala, a terceirizada fica encarregada de "contatar o máximo de clientes com a maior agilidade possível". Também se compromete a "pegar comprovantes, procurações e contrato de honorários". O advogado mostrou documentos supostamente falsos que teria recebido por e-mail do dono da Ello.
Contrapontos
O que diz o advogado Neuceri Nardi, que assina as ações
"Contratei uma empresa (a Ello consultoria) pra fazer esse serviço em campo para mim e essas pessoas passavam os documentos via e-mail com os PDFs desses documentos. Não percebi que esses documentos tinham adulterações e os utilizei nos processos. Agi de total boa fé, não tem nada que possa me afetar, o meu profissionalismo."
O que diz Rodrigo Cegala, dono da Ello Consultoria
A reportagem tentou falar com o empresário, mas ele não respondeu as mensagens e não retornou o recado dado a uma pessoa que atendeu seu telefone celular. Também não foi encontrado no endereço que seria a sede da empresa, em Passo Fundo.
O que diz o banco Santander
"O Departamento Jurídico do Santander esclarece que identificou e bloqueou a tentativa de fraude mencionada, sem prejuízo para nenhum cliente. O banco protocolou notícia de crime no Ministério Público do Rio Grande do Sul e seguirá com todas as medidas legais cabíveis, em cooperação com as autoridades para inibir este tipo de atuação."