Cientistas da Universidade de São Paulo (USP) finalizaram o maior banco de dados genéticos da população brasileira, com o sequenciamento do genoma completo de 1.171 idosos. Na amostra, foram encontrados 2 milhões de variações genéticas inéditas, ou seja, ainda não catalogadas em bancos de dados genômicos de populações de outros países — a maioria com predominância de indivíduos de origem caucasiana.
As variações ou variantes genéticas, chamadas em alguns casos de mutações, são diferentes versões de um mesmo gene que podem determinar, por exemplo, o desenvolvimento de uma doença. Para os pesquisadores, o achado de milhões de novas variações mostra o quanto a população brasileira, altamente miscigenada, está sub-representada nos maiores bancos genômicos do mundo.
Os mais de mil genomas completos, já disponíveis em plataforma aberta online, devem facilitar o diagnóstico de doenças raras por meio de testes genéticos. Futuramente, o banco de dados também poderá auxiliar na definição de tratamentos personalizados conforme o perfil genético de cada paciente e a prever quais indivíduos têm maior risco de manifestar determinadas patologias.
— Esse tipo de dado é importantíssimo para o que chamamos de medicina de precisão. A resposta do organismo a um medicamento depende do nosso genoma. No futuro, imaginamos que, antes de uma pessoa tomar um remédio, ela poderá se submeter a testes genéticos para saber qual droga terá a melhor ação. Por isso, é importante ter bases de dados com sequenciamento da nossa população, porque nós somos diferentes, até mesmo de outros latinos — explica a geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL) da USP.
De acordo com Michel Naslavsky, professor do Instituto de Biociências da USP e pesquisador do CEGH-CEL, a detecção de tantas novas variantes genéticas surpreendeu os pesquisadores.
— A cada ano temos mais bancos de dados genômicos no mundo. O número de variantes catalogadas, portanto, vem crescendo e, mesmo assim, encontramos 2 milhões novas. É um número muito interessante — disse ele, que é o autor principal do estudo que apresenta os resultados da pesquisa da USP.
O estudo foi divulgado na plataforma online de pré-publicação BioRxiv e ainda não passou por revisão de outros pesquisadores. Os cientistas brasileiros compararam seus resultados com dois dos maiores bancos de dados genômicos do mundo (gnomAD e dbSNP). Juntos, eles possuem mais de 700 milhões de variantes catalogadas.
Prevalência de doenças
Outra possibilidade de aplicação dos dados de sequenciamentos genéticos é no cálculo da prevalência de certas doenças em cada população. No estudo da USP, por exemplo, os pesquisadores analisaram 400 variantes catalogadas em bancos genômicos internacionais como patogênicas, ou seja, causadoras de alguma doença.
Ao verificarem a condição clínica dos idosos que tiveram o sequenciamento realizado, os cientistas observaram que 37% dessas variações não estavam relacionadas a doenças no grupo brasileiro e reclassificaram essas variantes como não patogênicas.
Mayana explica que o grupo optou por sequenciar os genomas de idosos que já vinham sendo acompanhados há anos em um outro estudo da USP, realizado pela Faculdade de Saúde Pública, justamente para cruzar os dados genéticos com as condições clínicas dos pacientes.
— Na idade deles, já é possível saber se eles têm risco aumentado para mais doenças, como Alzheimer e Parkinson — explica a geneticista.
Ela ressaltou que pesquisas de sequenciamento genético são caras e manifestou apreensão quanto ao projeto de lei enviado pelo governo estadual à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) que prevê corte de verbas de instituições que financiam pesquisas, como a Fapesp, uma das principais apoiadoras do projeto.
— Se cortarem os recursos, estudos como o nosso podem ser interrompidos. Cada sequenciamento custa U$ 1 mil dólares, fora a análise, computadores. Se não tivéssemos esse apoio financeiro, não teríamos finalizado o estudo."
Idosos e covid-19
O Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da USP vai usar o genoma sequenciado dos idosos também para avaliar quais variantes genéticas estão relacionadas com quadros mais ou menos graves de covid-19. Segundo a geneticista Mayana Zatz, diretora do centro, enquanto a maioria dos idosos tem risco aumentado de complicações quando infectados pelo coronavírus, há centenários contaminados que, surpreendentemente, apresentam um quadro leve ou a forma assintomática da doença.
— Queremos estudar se essas pessoas têm algum gene protetor — afirmou.
O grupo deve também estudar o genoma de casais que tiveram intensidades diferentes da doença.
— São pessoas que dividiram o mesmo espaço, a mesma cama e um adoeceu e o outro, não — diz Mayana. Cem casais nessa condição já tiveram o material genético coletado.