A situação de dois gaúchos que atuam há décadas na área de saúde se complicou nesta terça-feira (29). Operação da Polícia Federal investiga a participação do médico Alberto Beltrame e de seu ex-assessor Peter Cassol Silveira em supostos esquemas de superfaturamento de contratos no Pará.
Beltrame era secretário estadual de Saúde até junho e Cassol, secretário-adjunto. Os dois se conhecem desde o tempo em que atuaram no Grupo Hospitalar Conceição e no Instituto de Cardiologia, em Porto Alegre, e migraram juntos para atuar no governo paraense.
Cassol foi preso na operação desta terça. Beltrame teve o mandado de prisão temporária solicitado pela PF, mas o pedido não foi endossado pelo Ministério Público Federal (MPF). O ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, também decidiu não decretar sua prisão. O ex-secretário será convidado pela PF a dar explicações.
Mas por que os dois são investigados? As suspeitas se referem a duas ações diferentes, ambas na área da saúde. A primeira, ainda de junho, envolve compra superfaturada de respiradores pulmonares.
Um dos indícios coletados pela Polícia Federal é uma série de mensagens trocadas entre Peter Cassol Silveira e Paula Martins, assessora da Secretaria Estadual de Saúde do Pará. O gaúcho, pelo WhatsApp, teria mencionado valores de propina, no entender dos policiais:
“Quanto a SKN depositou para você? Passe para o Beltrame também...”
A SKN é a empresa que vendeu 400 respiradores pulmonares de fabricação chinesa à Secretaria de Saúde do Pará, para uso em pacientes com covid-19. Os aparelhos, que custaram R$ 25 milhões, se revelaram inadequados para a função. Além disso, a compra foi paga adiantada e os valores, superfaturados, apontou inquérito da PF.
Beltrame seria o gaúcho Alberto Beltrame, então secretário e chefe de Cassol. Conforme o inquérito da PF ressalta, “...trata-se de forte indicativo de pagamento de propina por parte da empresa SKN Importação e Exportação de Eletroeletrônicos Ltda”.
Chamou a atenção dos policiais, na época da operação de junho, que na residência de Cassol foram encontrados R$ 740 mil em espécie, guardados numa caixa térmica. Ele não deu explicações sobre o dinheiro, na ocasião da busca. Já Beltrame disse ignorar a quem se referia o dinheiro. A suspeita da PF é que eram valores repassados como propina pela compra dos respiradores chineses.
A outra ação da PF foi desencadeada agora e mira a contratação de organizações sociais para terceirizar a montagem de hospitais de campanha, destinados a atender doentes de coronavírus. Mais uma vez, num diálogo encontrado pelos policiais no celular de Cassol, ele e Paula Martins falam da compra de um aparelho de ressonância magnética fornecido por uma organização social.
Ela sugere pagar valor de R$ 7,9 milhões. Cassol recomenda baixar para R$ 4,2 milhões. Por fim, Beltrame é convidado a opinar e alerta que o valor do aparelho deve ficar em torno de R$ 2 milhões, que seria o valor constante em atas da secretaria.
O inquérito da PF ressalta: “Verifica-se claramente que os interlocutores baixaram o preço do item para não chamar a atenção, já que o preço inicialmente tabelado era escancaradamente maior que o padrão”.
Beltrame e Cassol foram desligados do governo após a operação da PF. Agora, voltam a ser alvo. São averiguados 12 contratos firmados pelo governo do Pará entre agosto de 2019 e maio de 2020, no valor total de R$ 1,2 bilhão. Com a pandemia de covid-19, essas entidades assumiram também a instalação e administração de hospitais de campanha. Os investigados são empresários, o operador financeiro do grupo, servidores e secretários do governo do Pará, além do próprio governador Hélder Barbalho.
É uma das maiores ações da PF este ano, com 76 mandados de prisão temporária (12 deles contra autoridades com foro especial) e 278 mandados de busca e apreensão, em cidade do Pará e São Paulo (onde ficam as sedes das organizações sociais que tercerizam serviços de saúde).
Os crimes investigados são fraude em licitações, falsidade ideológica, peculato, corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, com penas previstas superiores a 60 anos de reclusão. Em nota, o governo do Pará informou que apoia, como sempre, qualquer investigação que busque a proteção do erário público.
GZH não conseguiu contato com as defesas dos investigados.