O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, assinou nesta quarta-feira (3) a revogação de despacho que regularizava invasões até 2008 na mata atlântica. A iniciativa, que era vinculada a parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) e aplicava o Código Florestal, permitia, na prática, que fossem cancelados autos de infração ambientais.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o ministro disse que invalidou o despacho e que o governo decidiu ingressar com uma ação direta de constitucionalidade (ADC) no Supremo Tribunal Federal (STF), tentando, assim, evitar questionamentos jurídicos. Nas últimas semanas, a decisão foi contestada por entidades ambientais e o Ministério Público Federal (MPF) solicitou inclusive a sua anulação.
Na conversa, o ministro reconheceu a dificuldade em reduzir o desmatamento da floresta amazônica neste ano, mas disse acreditar que a perspectiva é positiva para 2021. Ele minimizou uma licitação recente de R$ 1 milhão para a locação de carros blindados.
— Todos os ministérios têm carro blindado. Um ministro de Estado andar de carro blindado é um caso de marajá? — questionou.
Confira a entrevista completa:
Após anos seguidos de aumento do desmatamento no país, o que justifica a publicação de um despacho que anistia proprietários rurais que invadiram e destruíram a mata atlântica?
Neste caso, não se trata de anistiar quem desmatou. Trata-se de um conflito jurídico. Nós criamos no Brasil o Código Florestal, que foi a pacificação de uma série de conflitos e significou um caminho de segurança jurídica. A Lei da Mata Atlântica é de 2006 e o Código Florestal é de 2012. O Código Florestal dá um tratamento específico às chamadas áreas consolidadas, que já estavam ocupadas anteriormente à norma.
Em 2017, o então ministro do Meio Ambiente, Zeca Sarney, mudou o entendimento da pasta e passou a não mais aplicar o Código Florestal ao bioma mata atlântica, em desacordo com o entendimento anterior. A AGU (Advocacia-Geral da União) reformulou sua posição para reafirmar que o Código Florestal é, sim, aplicável à mata atlântica. E a posição jurídica da AGU é, para nós, vinculativa.
O que fizemos aqui: apenas um despacho que reconhece a validade do parecer. Não cria nada novo, só restabelece o que vigorou de 2012 a 2017.
Mas essa posição tem gerado uma série de contestações judiciais.
Sim, esse parecer gerou uma série de contestações judiciais em vários Estados. E a AGU está entendendo por bem ingressar com uma medida judicial específica para deixar claro se o Código Florestal deve ou não ser aplicado na Lei da Mata Atlântica e qual é o marco temporal, qual a data a partir da qual essa aplicação se dará.
Então, diante dessa novidade, entendemos aqui no Ministério do Meio Ambiente que é o caso de revogar o despacho e deixar que a ação seja julgada na forma que será proposta.
O que será especificamente esse pedido da AGU?
O pedido é para que se esclareça judicialmente se se aplica ou não se aplica o Código Florestal ao bioma da mata atlântica. O parecer da AGU mostra que eles entendem que se aplica, mas eles querem uma manifestação judicial e constitucional.
Por isso que a AGU ingressará com a medida no STF. Eu assinei na quarta-feira (3) a revogação do despacho. Uma vez decidido pelo Supremo, esse assunto estará pacificado.
A decisão tem relação com o pedido feito pelo Ministério Público Federal para que o despacho seja anulado?
O que aconteceu: várias ações foram ajuizadas em vários Estados. E isso criou para os órgãos ambientais, tanto os estaduais como os federais, uma insegurança jurídica muito grande.
Como ainda não teve nenhum efeito prático a decisão do parecer, já que nenhuma multa foi anistiada e nenhum processo foi cancelado, entendemos que, antes que essa insegurança jurídica cause prejuízos concretos à sociedade, é conveniente o ajuizamento de uma ação. Como é a própria AGU que havia feito o parecer, cabe a nós seguir e, por isso, revogo o despacho.
O parecer foi feito após pressão da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). O senhor espera uma reação negativa do setor do agronegócio?
Eles entenderam em todos os estados que têm o bioma da mata atlântica que essa judicialização está prejudicando muito. Então, eu tenho a impressão de que o setor vai entender e vai concordar com a estratégia da AGU agora de ingressar com medida judicial para acabar com a insegurança jurídica.
Neste ano, por causa do coronavírus, a maioria dos países deve reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Em sentido oposto, o Brasil deve aumentar. Por que o governo tem tanta dificuldade em reduzir a emissão?
Na verdade, a nossa contribuição para o volume total de gás de efeito estufa no mundo é de menos de 3%. Então, ainda que o mundo reduza, eles é que são responsáveis pelos 97% de emissões. Eles podem reduzir à vontade que continuam sendo os culpados, não somos nós.
O nosso aumento de gases, dentro do limite de 3%, se dá por causa de uma condição brasileira, que são as queimadas que ocorrem em nossos diferentes biomas e períodos sazonais. Então, vai ter queimada, como todo ano tem, e eventualmente esse aumento é o que impacta.
A gente não pode entender que o mundo deixou de ser o vilão da emissão e passamos a ser nós os vilões. Isso não é verdade.
Haverá neste ano queda do desmatamento da floresta amazônica em comparação ao ano passado?
Não. O que estamos fazendo, e o vice-presidente Hamilton Mourão que está à frente desse esforço, é combater a atividade ilegal com as forças federais. Justamente porque, no ano passado e neste ano, nós pudemos contar muito menos com o apoio das forças estaduais, o que torna muito mais relevante o emprego das Forças Armadas.
Eu acho que, a partir da medição do ano que vem, é possível (reduzir), como resultado do Conselho da Amazônia.
Até quando as Forças Armadas devem atuar na proteção da floresta amazônica?
Essa é uma decisão que cabe ao presidente, não posso dizer. Mas é necessário que elas atuem o tempo que durar o período seco. Tem orçamento para isso.
Mesmo com um aumento de queimadas no país, por que caíram os gastos em atividades de inspeção florestal realizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)?
Não caíram. Isso é um erro. As pessoas estão repetindo isso, e não é verdade. O que aconteceu: os cortes orçamentários pegaram todos os ministérios. Eles variaram de 12% a 70%. Teve ministério que teve redução orçamentária de 70%. O Meio Ambiente foi um dos menores, teve 20%. Então, está longe de ser um dos que tiveram maior corte.
E tivemos a repatriação de recursos da Petrobras. Do total, R$ 430 milhões foram metade para o Meio Ambiente e a outra metade para a Agricultura. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidiu que essa verba deveria ser executada pelos Estados da Amazônia. E ficou acordado que R$ 50 milhões ficariam no ministério. Nós colocamos esse recurso integralmente na fiscalização do Ibama. Então, na verdade, tivemos um superávit.
O senhor se sentiu escanteado por ter sido retirado pelo vice-presidente Hamilton Mourão da presidência do comitê orientador do Fundo Amazônia?
Fui eu quem sugeri.
Mas mudar no meio do caminho o articulador do acordo não prejudica as negociações com Alemanha e Noruega?
Não prejudica. Eu tive todo o desgaste de apontar os erros e colocar um freio naquilo que estava errado. E isso desgasta o relacionamento.
O que eu falei para o Mourão: "Vice-presidente, o senhor entra fresquinho nessa conversa, não teve nenhum desgaste. Recebe o alemão e o norueguês como se nada tivesse acontecido".
Então, acha que a imagem que o senhor criou no Exterior pode ter prejudicado?
Não é imagem. Eu tive de fazer o trabalho duro. O trabalho difícil de dizer "não" alguém tem de fazer. É fácil dizer, depois que alguém já fez todo o trabalho duro, que é o cara da conciliação.
Eu fui há duas semanas à Vice-Presidência, em uma reunião sobre o fundo. A proposta que o Mourão apresentou aos embaixadores é minha. Exatamente minha. Só que eu sugeri: "Vice-presidente, pega a minha proposta e, lá embaixo, tira Ricardo Salles na assinatura e coloca Hamilton Mourão, que vai ser mas fácil".
Quando deve sair o acordo?
Eu acho que está avançando.
Em um momento no qual o país enfrenta uma crise econômica, por que foi feita uma licitação de R$ 1 milhão para a locação de carros blindados?
Todos os ministérios têm carro blindado. Aqui também tinha. Venceu o contrato antigo e nós fizemos um novo. Um ministro de Estado andar de carro blindado é um caso de marajá?
Mas o que justifica?
Todos os ministros andam de carro blindado. Eu sou ministro de Estado. Todo mundo sabe quem eu sou. Hoje eu fui caminhar na praça e reconheceram.