SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No início do novo ano letivo, circulam pelas redes sociais vídeos do desafio da rasteira ou quebra-crânio, uma brincadeira reproduzida por estudantes e que tem preocupado pais e professores, já que pode causar danos à coluna e traumatismo craniano e até levar à morte.
Trata-se de uma espécie de jogo, com três pessoas. Quem está no meio é a vítima - e, na maioria dos casos, não sabe o que está por vir. Ela é orientada a dar um pulo. Enquanto ainda está no ar, as outras duas a derrubam com uma rasteira.
Um dos vídeos mais compartilhados foi feito pelo youtuber Robson Calabianqui, que tem mais de 2 milhões de seguidores no canal Fuinha. Ele gravou o desafio com o irmão, e a mãe é quem leva a rasteira.
Após repercussão negativa, Calabianqui tirou a postagem do ar e se desculpou. "Como influenciador, eu errei. Como humorista, eu falhei. Peço desculpas e quero pedir de coração que não propaguem este vídeo. Até certo ponto, parece engraçado, mas sabiam que eu poderia ter perdido a minha mãe por causa desta brincadeira?"
Poderia mesmo. A Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN) emitiu uma nota alertando sobre o perigo da rasteira. A queda, diz o conselho médico, pode causar lesões irreversíveis ao crânio e à coluna vertebral.
"A vítima pode sofrer danos no desempenho cognitivo, fratura de vértebras, perder movimentos do corpo e até morrer", afirma a SBN. Também relembra que os responsáveis por pregar a peça de mau gosto podem acabar respondendo penalmente por lesão corporal e, nos casos mais graves, por homicídio.
Em um dos vídeos que viralizou, o adolescente que é derrubado fica desacordado após bater a cabeça no chão.
Também tem circulado a notícia sobre a morte de uma adolescente de 16 anos em Mossoró (RN), que, embora esteja sendo compartilhada como se fosse atual, aconteceu em novembro de 2019.
A estudante morreu após bater a cabeça enquanto participava de um outro desafio, que consistia em ser girada como uma "roleta humana", nos braços entrelaçados de dois amigos, e tentar cair de pé. A jovem caiu de cabeça no chão e teve traumatismo craniano.
Assim como esses dois, há outros desafios online --da canela, da camisinha, da buzina, do desmaio, da momo e da baleia azul. Os dois últimos supostamente incentivavam jovens a cometer suicídios.
Preocupadas, as escolas começaram a abordar o tema antes mesmo de algum aluno topar o desafio da rasteira por lá.
No Colégio Mary Ward, no Tatuapé, na zona leste da capital paulista, os professores foram orientados a conversar em sala de aula com os estudantes, desde os pequeninos até os do ensino médio. Vários responsáveis já haviam ligado para o colégio.
"Isso é uma agressão, não é uma brincadeira. Passamos os vídeos para os alunos e fizemos uma reflexão sobre violência e suas consequências", diz César Marconi, diretor pedagógico da escola.
Já o colégio Salesiano Santa Terezinha, na zona norte, optou por uma roda de conversa nesta sexta-feira (14), "para falar abertamente sobre o assunto e discutir, junto com pedagogos, professores de filosofia e religião, as consequências de 'brincadeiras' do tipo e como evitar que elas aconteçam", explicou na nota enviada aos pais.
Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar e colunista da Folha de S.Paulo, lembra que dar rasteiras nos conhecidos não é novidade. "Pular de cabeça em piscina rasa, por exemplo, é motivo de tetraplegia de muitas crianças e adolescentes. Nessa fase, eles têm fantasia de onipotência e dificuldade de imaginar as consequências das ações."
Só que muito alarmismo pode ter o efeito contrário. "Se você fala que tudo é perigoso, a criança não vai nem mais atravessar a rua. Ela também tem que ter liberdade para brincar e, por vezes, se acidentar, para aprender. O excesso de zelo cria pessoas pouco preparadas para a vida", diz Iaconelli.
Nathalia Pontes, coordenadora na PlayKids, plataforma de conteúdo educativo para crianças, aconselha não entrar em pânico nem negar a gravidade da situação.
"É preciso que os pais conversem com os filhos para entender a quais vídeos eles têm acesso, como se comportam nas redes sociais", afirma. "E perceber que os desafios não são o único risco: também estão online o bullying, a pedofilia. A criança precisa saber lidar com tudo isso, não só com o que viraliza."