BRASÍLIA, DF (UOL/FOLHAPRESS) - O novo decreto sobre a posse e o porte de armas, assinado no dia 22 pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), é inconstitucional e pode favorecer milícias e outras organizações criminosas. A conclusão é da PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), órgão que integra o MPF (Ministério Público Federal), e está em uma nota técnica encaminhada nesta sexta-feira (24) à procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Para o órgão, em vez de sanar as irregularidades do decreto anterior, o novo documento "agravou" algumas delas.
A nota técnica da PFDC vai auxiliar Dodge a elaborar o parecer que a PGR (Procuradoria-Geral da República) deverá apresentar no âmbito de uma ação que pede a suspensão do decreto no STF (Supremo Tribunal Federal).
No dia 7 de maio, Bolsonaro assinou o decreto 9.785/2019 que flexibilizou as regras para a compra e porte de armas em todo o Brasil. O decreto foi amplamente criticado por diversos setores da sociedade. Foram apontados problemas em pontos como a ampliação das categorias profissionais que poderiam ter acesso ao porte de armas e a possibilidade de que cidadãos comuns pudessem ter porte de fuzis.
Após a publicação do decreto, a Rede Sustentabilidade e outras entidades como o Instituto Igarapé entraram com uma ação pedindo a suspensão da validade das novas regras junto ao STF.
Pressionado, o governo publicou um novo decreto na última quarta-feira (22). O novo texto, que chegou com a promessa de resolver eventuais irregularidades do anterior, tirou a possibilidade de cidadãos comuns portarem (transportarem) fuzis semiautomáticos.
Para a PFDC, a mudança não é suficiente, porque o novo decreto continua permitindo que pessoas comuns tenham a posse de armas com grande potencial de destruição.
"É importante ressaltar que alguns fuzis semiautomáticos continuam sendo de posse permitida por qualquer cidadão, assim como espingardas e carabinas, pois são armas portáteis de uso permitido. Ou seja, qualquer pessoa poderá adquirir e manter em sua residência ou local de trabalho armas de alto potencial destrutivo. Apenas não poderá portá-las, ou seja, levá-las consigo fora dos referidos espaços privados", diz trecho da nota.
A PFDC afirma que o decreto assinado na semana passada passou a "falsa impressão" de que as irregularidades do anterior teriam sido sanadas, mas na avaliação dos procuradores, o texto continua representando uma "violação da separação de Poderes", na medida em que o órgão avalia que essas regras deveriam ter sido alteradas pelo Congresso Nacional.
Os procuradores também criticaram a ampliação do rol de pessoas que poderiam ter porte de arma em razão do exercício profissional. No decreto do dia 7, apenas advogados públicos poderiam ter acesso ao porte de armas.
Com o novo texto, todo e qualquer advogado poderá solicitar o porte. Essa mudança, segundo a PFDC, "perfaz um universo de mais de 1 milhão de pessoas, além dos proprietários de empresas de segurança privada e de transporte de valores, ainda que não participem da gerência do negócio".
Para a PFDC, o novo decreto é inconstitucional. "O novo decreto 9.797/2019, longe de rever essas
inconstitucionalidades, ressaltou os vícios da regulamentação pelo decreto 9.785/19. Nenhum dos pontos suscitados pela PFDC/MPF foi sanado e, ao contrário, alguns outros foram agravados", diz um trecho.
A nota, assinada pela procuradora federal Deborah Duprat e pelo procurador Marlon Alberto Weichert, afirma que o decreto assinado por Bolsonaro cria "condições para a venda em larga escala e sem controle de munições e armas" e que isso "certamente facilitará o acesso a elas por organizações criminosas e milícias". O resultado, segundo os procuradores, seria o "aumento da violência no Brasil".
A posição da PFDC vai na contramão da argumentação entregue pelo governo ao STF.
Na última quarta-feira (22), a AGU (Advocacia-Geral da União), a consultoria jurídica do MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) e a SAJ (Subchefia para Assuntos Jurídicos) da Casa Civil entregaram pareceres ao STF contestando a versão de que o decreto publicado no dia 7 de maio seria inconstitucional.
Além disso, a AGU argumentou que, na medida em que o novo decreto teria eliminado eventuais "imprecisões técnicas", o recurso movido pela Rede deveria ser rejeitado.
O caso ainda deverá ser analisado pela ministra Rosa Weber, relatora do recurso. Ainda é preciso que a PGR envie a sua manifestação sobre o caso.